Primeiro texto em prosa de Vitor Rocha, um dos grandes nomes do musical brasileiro, “Todo Chapéu Me Lembra Você” fala de lembranças e amor
Por Ubiratan Brasil
Depois de anos distante da ilha onde nasceu e passou a infância, Thomaz é obrigado a voltar por causa da grave doença de seu avô Domingos, chapeleiro com quem teve uma relação complicada no passado. Ao retornar à chapelaria, o rapaz descobre a presença de Otto, homem misterioso que há anos vive escondido no lugar, sem que ninguém soubesse. “Mas ele foi testemunha do crescimento de Thomaz e de sua relação tortuosa com o avô”, comenta Carmo Dalla Vecchia, intérprete de Otto na peça Todo Chapéu Me Lembra Você, que estreia no Teatro Décio Almeida Prado, no Centro Cultural da Diversidade (CCD), em São Paulo, com ingressos gratuitos.
Trata-se do primeiro texto apenas com prosa do dramaturgo e ator Vitor Rocha, um dos expoentes do teatro musical brasileiro. Também diretor, ele assume a encenação da peça que foi encomendada pelos produtores Leandro Luna e Priscilla Squeff ao lado do ator Theo Nogueira, que vive Thomaz. “Buscávamos uma montagem para ser realizada por meio da Emenda Parlamentar pela Associação dos Artistas Amigos da Praça e havia algumas condições, como a presença de dois personagens e com a diversidade como tema”, conta Priscilla. “Queríamos algo que fugisse do comum e logo pensamos no Vitor, já conhecido por escrever textos com muita sensibilidade”, completa Luna.
“Luna ficou sem graça porque precisava do título da peça antes do texto estar pronto, mas é justamente isso o que penso antes de tudo. Assim, quando ele me pediu, achando que seria um problema, respondi de pronto: ‘Todo Chapéu Me Lembra Você’, que vinha rondando minha cabeça fazia duas semanas. E, como sempre acontece, eu faço fazer”, diverte-se Vitor, que tem outro espetáculo em cartaz, o também sensível Donatello, musical em monólogo no qual atua e também assina o texto.
Segundo ele, o título remete a lembranças, o que se encaixa na lista de obrigações iniciais. Foi uma experiência nova não contar com músicas para também contar uma história. “Agora, são os diálogos os únicos responsáveis por isso, mas confesso que, durante os ensaios, sentia falta de algumas canções por estar tão habituado”, relembra.
O dramaturgo conta que buscou fugir do tradicional texto sobre orientação sexual. “Eu não queria que esse tema dominasse o conflito. Também não pensava em mostrar uma grande briga entre pai e filho. Isso já foi visto no palco. Eu queria que fosse um elemento de quem os personagens são e o conflito que surge entre eles são questões humanas. Otto não sofre ou fala mal porque é gay, apenas é um ponto de partida para a trama.”
Foi essa delicadeza no tratamento da sexualidade que atraiu Carmo para o papel. “Aqui, a diversidade está em um personagem, mas sem levantar bandeira”, comenta ele que, ao tornar pública sua orientação sexual, ganhou representatividade na comunidade LGBTQIAP+. “Otto está fechado naquela chapelaria há mais de 20 anos e isso serve como uma metáfora de estar dentro do armário. Ele tem razões para não sair, pois pode ser preso ou assassinado”, comenta o ator.
Para ele, o preconceito sobre orientação sexual envolve um agente externo, mas quem decide ficar dentro do armário é a própria vítima do preconceito. “Ao criar esse personagem, minha maior preocupação foi como é viver sob esse entrave psicológico“, explica. “Eu remeto a alguns momentos da minha vida que talvez eu tenha me sentido uma pessoa trancada, sem poder me manifestar ou falar sobre minha sexualidade.”
“A diversidade é bem falada na peça e não de maneira óbvia, mesmo sendo uma peça gay. Você descobre aos poucos. É uma peça sobre relacionamentos”, observa Theo Nogueira, que idealizou o projeto e depois se uniu aos produtores. “A peça tem tantas camadas que fomos descobrindo aos poucos, ao longo dos ensaios. Quando encontra o Otto, Thomaz descobre nova parte de seu passado. Otto é importante na sua vida porque presenciou sua evolução sem que ele percebesse. Otto sabe a verdade, mas não está livre, ao contrário de Thomaz que está livre, mas não conhece todas as verdades.”
A trilha sonora incidental foi criada por Elton Towersey e a concepção de cenário e figurinos por Kleber Montanheiro. Serão realizadas 12 apresentações inteiramente gratuitas à população, acompanhado de quatro ciclos de debates com convidados especiais, inseridos nas políticas e temáticas LGBTQIAP+, sempre aos domingos após a encenação.
As conversas começam com Renan Quinalha, no dia 19 de maio. Em seguida, virão Erika Hilton (26/5), Odir Fontoura (9/6) e Saulo Ciasca (16/6).
Serviço
Todo Chapéu Me Lembra Você.
Teatro Décio Almeida Prado. R. Lopes Neto, 206 – Itaim Bibi.
Sextas e sábados, 20h. Domingos, 19h. Grátis. Bilheteria abre 1h antes do evento
Realização Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap) e VIVA Cultural
Até 16 de junho