“República Lee – Um Musical ao Som de Rita” tem elenco talentoso para contar história sobre paixão pelo cinema e a luta pela vida diante da opressão do regime militar
Por Ubiratan Brasil
Rita Lee (1947-2023) deixou canções que pregam o amor, mas também que incentivam uma postura crítica de seus fãs. É uma combinação desses dois tipos de baladas que se organiza o espetáculo República Lee – Um Musical ao Som de Rita, em cartaz no teatro Viradalata, em São Paulo. Trata-se de uma bem humorada comédia musical, que traz ainda referências aos desaparecidos durante o regime militar.
Com idealização de Cella Bártholo e texto e direção de Tauã Delmiro, a história se passa entre os anos 1968 e 69. Os irmãos Caio (Caio Nery) e Sarah (Ingrid Klug) decidem filmar um roteiro deixado pelo seu finado pai. Ele na direção, ela como atriz. A dupla mora em um apartamento em cima do antigo Cine Olido, no centro de São Paulo, onde hoje funciona a Galeria Olido. Para a empreitada, convocam Danilo (Rodrigo Salvadoretti), que vive de apresentações eróticas, Darín (Pedro Balu), misterioso argentino que foi namorado de Caio, e Jullie (Cella Bártholo), jovem que garante sua participação por ser dona de uma câmera de filmar.
Juntos, eles criam um curta-metragem de ficção científica, com baixo orçamento. A trama dentro da trama é baseada em longas-metragens de sci-fi dos anos 1950, como O dia em que a Terra Parou, A invasão dos discos voadores e O Ataque da Mulher de 15 Metros. “A maior inspiração do enredo foram as canções da Rita e, a partir delas, buscamos absorver o caráter disruptivo presente nas letras e melodias. Embora o espetáculo não seja uma biografia da vida da artista, os cinco personagens são desdobramentos da personalidade transgressora dela”, explica o autor e diretor Tauã Delmiro.
Assim, as cenas são pontuadas por sucessos de Rita Lee como Agora só falta você, Nem luxo, nem lixo, Alô, alô, Marciano, Desculpe o auê e Mutante, que ajudam a contar a história. Embora sufocado por uma pesada censura do governo militar, a época (final dos anos 1960) foi marcada também por uma efervescente agitação cultural. “Um caldeirão de experimentos artísticos que possibilitou o nascimento da Tropicália e a construção da identidade do rock nacional, ritmo que fez de Rita Lee sua principal representante”, ressalta Cella Bártholo, que idealizou o espetáculo e é diretora artística da In Cena Produções.
O baixo orçamento não foi capaz de limitar a criatividade do grupo, cujo talento dos atores permitiu criar situações originais e hilariantes no início da peça. Da metade para o final, com o misterioso desaparecimento de Caio (supõe-se que provocado por sua ligação com entidades estudantis, que cobravam direito e liberdade de um governo marcado por assassinatos e sumiços inesperados), a peça caminha por um terreno mais emotivo, culminando com a imagem de homens e mulheres que desapareceram durante a ditadura militar. Ao espectador, fica a dúvida sobre a possibilidade de o espetáculo ter origem biográfica, mas o grupo prefere mantê-lo como fruto da ficção.
“Em sua autobiografia, Rita revela sua enorme paixão pelo cinema. Esse fato me inspirou a escrever uma dramaturgia que dialogasse teatro e audiovisual. Levei essa ideia pra Cella e ficamos confiantes de que conseguiríamos desenvolver uma obra instigante e inovadora”, adianta Tauã, cuja criação permite a participação da plateia, que é filmada em determinado momento e as imagens são projetadas depois, dentro do contexto da peça. Também fazem parte da equipe criativa Hugo Kerth (direção musical e arranjos) e Débora Polistchuck (coreografias e assistência de direção), além dos atores João Ferreira e Luiza Cesar atuando como swings.
Pela criatividade como dribla a falta de um orçamento mais pomposo e pelo talento de seu elenco, República Lee – Um Musical ao Som de Rita destaca-se como um dos mais inspirados espetáculos em cartaz em São Paulo.
Serviço
República Lee – Um Musical ao Som de Rita
Teatro Viradalata. Rua Apinajés, 1387, Perdizes. Telefone: (11) 3868-2535
Sextas e sábados, 20h. Domingos, 19h. R$ 42 / R$ 120
Até 4 de agosto