Musical “Nossa História com Chico Buarque” busca um certo conceito de arqueologia do cotidiano, ao mostrar grandes e pequenos acontecimentos ao mesmo tempo
Por Ubiratan Brasil
No ano passado, quando o escritor e compositor Chico Buarque de Holanda completou 80 anos, a produtora Andrea Alves, da Sarau Cultura Brasileira, acertou com o diretor Rafael Gomes a finalização de um espetáculo original que vinha sendo criado há alguns anos. Não poderia ser algo autobiográfico, mas criado a partir da vasta obra musical de Buarque. Gomes, que já fizera com Andrea o musical Gota D’água [a Seco], em uma releitura do clássico Gota D’água, uniu-se ao dramaturgo Vinicius Calderoni para criar Nossa História com Chico Buarque, já em cartaz no Sesc Pinheiros.
A dupla partiu de uma premissa acertada: mais que uma produção vultuosa, as criações de Chico ocupam um lugar único dentro da vida brasileira, ao cantar momentos icônicos da história recente do país, mas também ao traduzir os sentimentos mais íntimos do inconsciente coletivo nacional. Assim, o espetáculo narra a saga de alguns personagens de duas famílias cariocas ao longo de três gerações, como em um épico íntimo.
Situadas em três tempos distintos, as narrativas começam separadas e vão aos poucos se interligando. São como três atos, marcados pelas datas em que ocorrem as ações: 1968, quando a ditadura militar acirrou sua violência política; 1989, quando se realizou a primeira eleição presidencial depois da redemocratização; e 2022, ano em que Lula volta ao poder pelo voto popular.
Assim, enquanto a narrativa acompanha as adversidades daquela família, o público é brindado com mais de 50 canções e trechos de composições de Chico Buarque que se embaralham com os diálogos, pontuando a ação e se incorporando à dramaturgia. Tudo costurado pela direção musical de Alfredo Del-Penho, que criou novos arranjos para cada obra.
Entre as músicas selecionadas, clássicos incontestáveis (Construção, O Que Será), hits radiofônicos (A Banda, Olhos nos Olhos), obras também compostas para outras peças (Tatuagem, Roda Viva, A História de Lily Braun) e criações mais recentes. “É desesperador ter que escolher dentro de uma obra de quase 400 músicas. O grande critério é mesmo saber quais as canções que vão servir à narrativa. É uma peça cuja proposta de dramaturgia se estrutura ao redor do quanto essas músicas fazem parte de nossa vida’, conta Gomes, que, inclusive, buscou uma inspiração inicial para toda a trama na canção Construção.
“É uma inspiração de estética, no sentido de que os versos se repetem, alterando o fim ou variando entre si. A gente também tem três gerações de personagens que de alguma maneira se repetem ou não, ou variam entre si. Isso fica latente não só na trama, no que está escrito como situação, mas na própria estética do espetáculo, em que o elenco vai fazendo mais de um personagem conforme passam os anos”, afirma.
“‘A obra de Chico Buarque passou a fazer parte da minha vida e trabalhar com o seu repertório teatral virou um desejo constante”, comenta Andrea Alves, que produziu também Os Saltimbancos (2012) e A Ópera do Malandro (2014). “Nunca é demais render homenagem e lembrar o seu tamanho, em um país cuja memória precisa ser sempre revisitada, para que as novas gerações valorizem a sua cultura. Foram anos pensando em como e com quem fazer esse espetáculo acontecer, até que alcançamos as oito décadas do mestre.”
Nossa História com Chico Buarque busca um certo conceito de arqueologia do cotidiano, ao mostrar grandes e pequenos acontecimentos ao mesmo tempo. A dramaturgia flagra o macro da vida coletiva do Brasil se relacionando com o micro da vida do indivíduo e de uma família. O elenco traz Laila Garin, Heloisa Jorge, Artur Volpi, Felipe Frazão, Francisco Salgado, Larissa Nunes, Luísa Vianna e Odilon Esteves, com participações especiais de Soraya Ravenle e Ju Colombo.
Serviço
Nossa História com Chico Buarque
Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195
Quinta a sábado, 20h. Domingo, 18h. Sessões extras: 22 de fevereiro (sábado), 15h. 26 de fevereiro (quarta), 20h. R$ 70
Até 28 de fevereiro (estreia 30 de janeiro)
