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“Brás Cubas”, inspirada em Machado de Assis, se comunica com os tempos atuais

Sinopse

Montagem da Armazém Companhia de Teatro não é uma adaptação no sentido clássico porque insere o próprio autor na peça, como personagem

Por Ubiratan Brasil

Lançado em 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas é o 14º livro e o quinto romance escrito por Machado de Assis (1839-1908). Para muitos críticos, é considerada sua obra-prima. A irônica dedicatória, aliás, tornou-se já um dos clássicos da literatura brasileira: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico, como saudosa lembrança, estas Memórias Póstumas”. Em poucas palavras, Machado de Assis já revela a ironia e o humor refinado que marcou sua obra na fase mais madura e mais importante, na qual Memórias Póstumas de Brás Cubas reluz como ouro.

“Brás Cubas é um dos personagens mais icônicos da literatura brasileira. Tratar de um personagem pretensioso e prepotente, um recordista de fracassos, que têm uma aversão por si mesmo absolutamente merecida – e que nos fala tanto sobre a formação da elite brasileira –, era muito sedutor”, comenta Paulo de Moraes, diretor de Brás Cubas, adaptação da obra machadiana que estreia no Sesc Santo Amaro.

Cena da peça Brás Cubas, da Armazém Companhia de Teatro. Foto Mauro Kury

“Mas traduzir a experimentação formal de Machado para o palco – conversando com o público de hoje – me parecia desafiador. Porque Machado escreve com um raro nível de sutileza. Então, com certeza o nosso grande embate durante a descoberta da peça tem sido como fazer com que essa literatura sutil se transforme numa ação dramática contundente”, continua o encenador, à frente da Armazém Companhia de Teatro, uma das mais importantes trupes cênicas do Brasil.

Com dramaturgia de Maurício Arruda Mendonça, o espetáculo não se enquadra com uma adaptação convencional. Isso porque o próprio Machado surge como personagem. “A peça tem uma certa vinculação com o sonho. A gente constrói essa história como se estivéssemos dentro da casa do Machado, acompanhando a sua criação. E o ponto central da nossa adaptação é o delírio que o personagem do Brás tem momentos antes de sua morte”, observa Moraes.

Outra cena de Brás Cubas, espetáculo da Armazém Companhia de Teatro. Foto Mauro Kury

Ele lidera a Armazém desde sua fundação, em 1987, em Londrina, e sempre privilegiou a investigação da estrutura narrativa – Moraes não prefere histórias cujo desenvolvimento seja previsível. Até Shakespeare foi encenado de uma forma que explorava mais as motivações ocultas do texto.

Isso permitiu que a companhia promovesse a construção de espetáculos tão díspares e complementares como A Ratoeira é o Gato (1993), Alice Através do Espelho (1999), Toda Nudez Será Castigada (2005), O Dia em que Sam Morreu (2014), Hamlet (2017) e Angels in America (2019). No fim de 2022, para comemorar seus 35 anos de atividades ininterruptas, a Armazém apresentou Neva, em sua sede, no Rio.

O novo espetáculo desmembra o personagem Brás Cubas em dois. Sérgio Machado o interpreta desde seu nascimento até sua morte (não necessariamente nessa ordem), enquanto Jopa Moraes assume Brás Cubas já como o defunto que narra suas memórias póstumas. “Esse defunto está pouco vinculado ao século 19; por isso, quer e precisa se comunicar com as pessoas de agora”, comenta o diretor.

Cena do espetáculo Brás Cubas. Foto Mauro Kury

Como o inovador Vestido de Noiva (1943), de Nelson Rodrigues, a dramaturgia de Brás Cubas se divide em três planos: o da memória, com as cenas vividas por Brás; o da narrativa, no qual entram as divagações e reflexões do defunto; e um terceiro plano em que o próprio Machado de Assis (vivido por Bruno Lourenço) invade sua narrativa com comentários que buscam conectar contemporaneamente suas críticas à sociedade brasileira.

“Nosso Machado não é um personagem biográfico. Embora todas as questões que o personagem coloque na peça tratem de assuntos sobre os quais Machado escreveu, estão colocadas em contextos diferentes. É uma brincadeira a partir de detalhes biográficos. Um personagem imaginário tentando se comunicar com o nosso tempo”, comenta Paulo de Moraes.

Cena da peça Brás Cubas, da Armazém Companhia de Teatro. Foto Mauro Kury

Em seus romances e contos, Machado utilizou o julgamento moral como um detalhe decisivo na construção dos personagens, tornando-os únicos naquele momento da literatura brasileira (segunda metade do século 19). Também criou a uma nova via para o romance, uma outra maneira de observar, em que predomina uma descrição mais robusta do universo interior dos personagens, oferecendo-lhes uma psicologia plenamente individualizada. Assim, Brás Cubas reconta a própria história de uma forma que, se o leitor confiar, descobre um gênio, mas, se desconfiar, encontra um crápula.

Em outubro de 2023, a peça Brás Cubas participou do Festival Internacional de Teatro de Wuzhen, na China, ao lado de importantes nomes do teatro mundial, como Robert Wilson e Joël Pommerat, sendo o espetáculo mais bem avaliado pelo público chinês. No Rio de Janeiro, Brás Cubas concorre na 18º edição do Prêmio APTR (RJ, 2024) nas categorias de melhor dramaturgia, espetáculo, direção, cenografia e jovem talento (Lorena Lima). O elenco conta ainda com elenco Isabel Pacheco, Felipe Bustamante e Lorena Lima. 

Serviço

Brás Cubas

Sesc Santo Amaro. Rua Amador Bueno, 505.

Sextas, 21h. Sábados, 20h. Domingos, 18h. (Não haverá apresentação na Sexta-Feira Santa, dia 29 de março). R$ 60

Até 5 de maio

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Ficha Técnica

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Serviço

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