Mateus Ribeiro, protagonista de “Bob Esponja”, e Ivan Parente, o Espantalho de “O Mágico de Oz”, conversam entre si, a pedido do CANAL MF, sobre os desafios de viver personagens tão conhecidos
Por Dib Carneiro Neto
Um é feito de palha de milho. O outro – esponja do mar, inspirada em esponja de limpeza – bem que pode ter algo de palha de aço em sua composição. Dois tipos de ‘palha’, dois personagens que mexem muito com a imaginação das crianças. Você acertou. Um é o Espantalho, personagem emblemático de O Mágico de Oz, e o outro é Bob Esponja, do desenho que se espalhou feito febre pelo mundo, virou filme e espetáculo musical.
Em São Paulo, ambos estão lotando plateias nos dois musicais infantis que mais têm arrebatado o público nesta temporada invernal de teatro. Ivan Parente é o Espantalho, na versão de Oz que ocupa o Teatro Procópio Ferreira, com direção geral de Sandro Chaim, um elenco muito bem escalado e o brilho extra de Danielle Winits, impagável como a bruxa má voadora.
Por sua vez, Mateus Ribeiro é o protagonista Bob Esponja, no musical magistralmente espalhado pela sala grande do Teatro Sérgio Cardoso – uma farra marítima bem orquestrada pela produtora Touché, com versão brasileira de Anna Toledo.
Com exclusividade para o Canal MF, esponja e espantalho toparam conversar, trocar palhas, digo, trocar ideias sobre o sucesso de seus musicais. Mateus Ribeiro e Ivan Parente, dois jovens muito talentosos, dois nomes de muito destaque no cenário de musicais paulistanos, fizeram perguntas um para o outro, curiosos pela composição dos personagens, pelas inspirações, pelos desafios.
Um papo agradável, que muito nos ensina sobre as especificidades de um musical. Sobre cantar, dançar e interpretar. Sobre como conseguir incorporar tão bem personagens conhecidos no mundo todo. Uma curiosidade: até hoje eles só trabalharam juntos em um único musical, Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos. Vamos acompanhar a conversa dos dois?
DO BOB ESPONJA PARA O ESPANTALHO:
MATEUS RIBEIRO – Ivan, há muitos anos, lembro-me de ficar encantado vendo-o dar vida ao Homem de Lata em uma montagem de O Mágico de Oz que passou por Fortaleza, cidade em que cresci. Agora, anos depois, você dá vida ao Espantalho nessa outra produção. Qual o maior desafio de contar a mesma história, mas interpretando dois personagens tão distintos?
IVAN PARENTE – Primeiramente: que privilégio ter tido um artista tão incrível como você na plateia de Fortaleza! A companhia do diretor Billy Bond viajou o Brasil todo e inspirou muita gente a olhar para o teatro musical com muito carinho. Muita gente se enveredou para o nosso lado. Você foi um deles. Acho que o maior desafio está em contar a história dessas personagens por prismas nunca imaginados ou que estavam ali e nunca tinham sido sequer mencionados. A história do Mágico de Oz está na minha vida desde 2003 e ver o mundo pelos olhos do Homem de Lata foi muito lindo e transformou toda a minha trajetória até aqui. Ver o mundo com os olhos de uma personagem que sente não ter um coração é uma viagem doida. A nossa educação preconceituosa e machista negou para muitas gerações a capacidade de amar livremente. Muitas delas acharam que eram incapazes de amar. Quando o Homem de Lata dizia para Dorothy que ele tinha ficado daquele jeito depois de, sem querer, ter cortado algumas partes de seu corpo enquanto trabalhava, eu tracei essa relação da imposição do trabalho, desde pequeno e sem entender nossa total aptidão para tal, como meu ponto de partida para a construção dessa personagem. Um homem que se mutilou em detrimento do trabalho para se tornar a pessoa que a sociedade esperava. Tendo que abrir mão de tudo… inclusive da representação mais antiga de nossos amores: o coração. E quando ele dizia que o ferreiro o tinha feito sem coração, para mim, era como se ele dissesse: foi assim que eu aprendi a viver até aqui. Louco isso, né? Ah e quando o Espantalho caiu em minhas mãos 20 anos depois, tentei fazer algumas outras analogias, que também fizeram muito sentido a partir dessa mesma célula. O Espantalho é esse homem com quem você se senta ao lado e a conversa sai naturalmente, sem pompa, sem palestrinhas. Ele sabe da vida, mas a educação lhe foi negada. A cultura lhe foi negada. Mas ele observa o mundo e sabe mais da vida do que os letrados. Ele sabe guiar e conta histórias inspiradoras, mas foi levado a crer, em sua vida toda, que era burro e que talvez o seu destino fosse esse. Na música do Espantalho, eu quase choro quando digo cantando: “Mas talvez eu mereça não ter nada na cabeça. Pra passar de um paspalho para um sábio espantalho, só me falta a razão.” E tem muita gente ainda que acredita que não é merecedor do que há de melhor na vida: cérebro, coração e coragem. Sem isso… somos apenas massa de manobra.
MATEUS RIBEIRO – Criação de personagem é uma das coisas que mais amo na nossa profissão, e você sem dúvida é um ator que inspira muito com suas construções. Quais métodos e artifícios você costuma usar na construção de um novo papel?
IVAN PARENTE – Agradeço o elogio e digo que o meu maior trunfo para construir minhas personagens está no ser humano. Eu sou muito observador. Estou sempre ligado em como as pessoas andam, como as pessoas pegam coisas, como ficam com vergonha, como dão risada, como fazem piadas, como elas flertam, como são grosseiras, como pedem desculpas, como cantam, como comem. Eu sou um contador de histórias. Vou somando essas observações de minhas andanças e vou colocando nas personagens. Eu sempre começo pelo meu corpo. Como o meu corpo reage ao texto saindo pela minha boca. Como o gesto do outro incide no meu corpo e traz meu próximo movimento. Se eu preciso me movimentar para ser entendido. Se eu preciso mesmo dizer aquele texto ou posso usar meu corpo para dizer aquilo. Minhas personagens não existem sem que meu corpo viva aquilo. O texto eu ajusto com o meu corpo. Depois, a última fase é trazer o figurino para que ele não seja só uma peça de adereço na minha personagem. O texto, o canto, o gesto e o figurino como se fossem um corpo só. E tem de ser vivo e verdadeiro para que o público se identifique com pequenas coisas que são familiares a ele naquela personagem. É isso!
MATEUS RIBEIRO – Os personagens do Mágico de Oz estão todos em busca de algo que talvez lhes falte, de um sonho… Eu quero saber o que o Ivan, que trabalha há tantos anos com interpretação e hoje inspira tantos artistas, ainda sonha em fazer na sua arte? Pode ser um papel, um projeto, uma realização…
IVAN PARENTE – Mateus, te amo! Ah, você melhorou muito minha estima com essas perguntas! Sou seu fã e admirador de cada personagem lindo que você criou. Amo estar no palco. Acho que nunca me cansarei de viver personagens e transformar vidas. Ainda hoje recebo muito carinho dos novos colegas de trabalho, que me viram fazendo o Homem da Poltrona, na Madrinha Embriagada, ou o Thenardier, de Les Misérables, que são personagens que realmente mudaram a minha visão sobre contar histórias. Amo criar e estar no palco. Acho que quero dirigir mais peças. Quero produzir peças. Quero também deixar minha marca como criador e diretor. Dar a minha interpretação para clássicos antigos ou criar novas histórias usando a minha experiência como ator. Quero ter mais oportunidades de dirigir. A arte é uma caixinha de surpresas e eu amo um desafio. Quem sabe?.
DO ESPANTALHO PARA O BOB ESPONJA:
IVAN PARENTE – Você já deu vida a personagens do imaginário infantil como Peter Pan, Chaves e agora Bob Esponja. Como tem sido essa experiência?
MATEUS RIBEIRO – Acho incrível porque sei que a infância é um momento muito especial nas nossas vidas e que tudo fica muito marcado na nossa memória, então acho uma honra e ao mesmo tempo de uma responsabilidade muito grande interpretar um personagem que cresceu com tanta gente, dar vida a algo que muitas vezes estava só na imaginação, e também poder virar uma lembrança boa para as crianças que vão assistir e que possivelmente vão lembrar daquilo para sempre. Eu me lembro, por exemplo, do cheiro do local onde assisti ao espetáculo do Mágico de Oz, em Fortaleza na minha infância. Foi uma das maiores produções que assisti na época e aquilo me marcou. Você estava no elenco, Ivan, como já comentei antes aqui.
IVAN PARENTE – Personagens como Peter Pan, Chaves e Bob Esponja exigem de você um trabalho intenso de construção. Qual o desafio para não cair na imitação?
MATEUS RIBEIRO – Eu tento primeiramente entender a essência do personagem, onde está a unidade que faz o público se conectar. Apesar de serem personagens que o público já conhece, os desafios são bem diferentes em cada um. Peter Pan é um desenho de um menino, Chaves é um ator de fato que o interpretava no original e que tinha o dobro da minha idade. Bem, e o Bob é uma esponja. (risos) Então, transpor esses três para o palco exigiu de mim pontos em lugares diferentes. Cada um demandava artisticamente formas bem específicas de atuação. Peter exigia muito na parte de acrobacia e dança, Chaves no timing de comédia e no drama – e o Bob possui músicas agudíssimas, com o plus da voz que o Wendel Bezerra criou na dublagem e que virou referência no nosso país! Eu então me preocupava com o que o público estava vendo e ouvindo da construção desses papeis, mas principalmente com o que ele não estava vendo, mas sim sentindo. Com todas as camadas mais profundas, que todos nós temos e que é preciso lançar mão para o público se conectar e viajar nas emoções que o espetáculo propõe.
IVAN PARENTE – Tem algum personagem, desse universo lúdico, que você ainda gostaria de fazer? Se sim, qual seria e por quê?
MATEUS RIBEIRO – Ah, acredito que alguns… Eu amaria dar vida ao Aladdin, por exemplo, que foi um dos filmes que mais vi na minha infância, assim como adoraria interpretar o Corcunda de Notre Dame, por conta de toda a carga emocional que o papel carrega, além de exigir uma construção muito específica de corpo e que me fascina, além das músicas serem belíssimas. Eu adoraria também fazer algo lúdico porém mais “sombrio”, como Edward Mãos de Tesoura ou algo assim.
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SERVIÇO
O MÁGICO DE OZ.
Teatro Procópio Ferreira. Rua Augusta, 2.823. Quinta e sexta-feiras, 20h. Sábado, 15h30 e 19h30. Domingo, 15h30. R$ 100 / R$ 200. Até 24 de setembro. .
BOB ESPONJA, O MUSICAL.
Teatro Sérgio Cardoso. Rua Rui Barbosa, 153. Quinta, 20h30. Sexta e Sábado, 15h e 20h30. Domingo, 16h. R$ 150 / R$ 280. Até 17 de Setembro.