O melhor do teatro está aqui

2

Barbara Reis e Ivy Souza celebram o legado das atrizes Ruth de Souza e Léa Garcia

Sinopse

Sob a direção de Luiz Antonio Pilar, atrizes protagonizam a peça “Ruth & Léa”, que usa o metateatro para enfocar duas jovens artistas pretas em busca de oportunidades

Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 13 de novembro de 2025)

Para a dramaturgia de Ruth & Léa, a autora do texto, Dione Carlos, criou uma personagem que nunca é vista no palco, referência à peça Esperando Godot, do irlandês Samuel Beckett (1906-1989). Trata-se de uma diretora, aquela que, enfim, traria o grande trabalho da carreira das duas protagonistas, aquele convite que daria o reconhecimento de público e crítica. Só que, assim como Godot, o papel consagrador nunca chega, algo bastante comum aos artistas pretos até bem pouco tempo.

O espetáculo, idealizado e encenado por Luiz Antonio Pilar, estreia nesta quinta, 13, no Teatro do Sesc Pompeia, depois de passar pelo Rio de Janeiro, Niterói e Belo Horizonte. Sem a óbvia pretensão biográfica, Ruth & Léa presta uma homenagem às atrizes cariocas Ruth de Souza (1921-2019) e Léa Garcia (1933-2023) que, por serem pretas, nunca alcançaram a projeção merecida.

Barbara Reis e Ivy Souza em Ruth & Léa. Foto Valmyr Ferreira

Barbara Reis, de 36 anos, e Ivy Souza, de 35, interpretam Ruth e Léa, respectivamente, mas são apresentadas ao público como Zezé e Elisa e, por este caminho, começa a história. Em um metateatro, Zezé e Elisa, uma nova alusão, desta vez às atrizes Zezé Motta e Elisa Lucinda, são escaladas para um filme sobre a contribuição das duas pioneiras que furaram um bloqueio racista no teatro, no cinema e na televisão. As pianistas Gláucia Negreiros e Anette Camargo executam a trilha ao vivo.

A montagem mostra outros grandes nomes, como o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980), o ator Abdias do Nascimento (1914-2011), a bailarina Mercedes Baptista (1921-2014), o jornalista Paulo Francis (1930-1997), a cantora Josephine Baker (1906-1975) e o cineasta Cacá Diegues (1940-2025), que são evocados no jogo vivido por Zezé e Elisa. Todos tiveram importância nas trajetórias de Ruth e Léa e, em um teste de versatilidade, são interpretados por Barbara e Ivy. 

Com o espetáculo, Pilar salda uma dívida que considerava ter com as duas estrelas há mais de 20 anos. Em 2003, ele dirigiu o curta-metragem A Mãe e o Filho da Mãe, com Ruth e Wilson Rabelo no elenco. Pouco depois, a atriz chamou Pilar para um encontro em sua casa e, para a surpresa dele, Léa também o esperava. As duas falaram que gostariam de fazer um espetáculo juntas, até para quebrar de vez a lenda de que não eram amigas. 

“Sabe quando você é tragado pela ilusão da juventude, acha que tem todo o tempo do mundo e nunca concretiza um projeto?”, indaga Pilar. “Quando a Ruth morreu, vi que tinha perdido a chance de reuni-las e, depois, na saída do enterro da Léa, tive a ideia de uma homenagem às duas.”  

Ivy Souza e Barbara Reis em outra cena de Ruth & Léa. Foto Valmyr Ferreira

Barbara lembra que, durante os ensaios, Pilar chamava a atenção das protagonistas para não caírem na idealização e ressaltarem a humanidade de Ruth e Léa. “A gente se pegava uma observando a outra e pensando que estávamos compondo personagens ancestrais que habitam a gente mesmo sem percebermos”, conta. “É um lembrete de que a arte é feita de profissionais que vieram antes para que fosse possível a liberdade de realizar nossos trabalhos.”

Popularizada pelas novelas Todas as Flores e Terra e Paixão, da Rede Globo, a carioca Barbara atualmente grava Três Graças, a recém-lançada trama das nove, e festeja que a sua geração conhece uma evolução que não foi sentida pelos contemporâneos de Ruth e Léa. Ela ressalta, entretanto, que a representatividade preta percebida hoje também serve para que as pessoas coloquem para fora preconceitos e amarguras. 

“Eu enxergo que vivemos entre avanços e retrocessos e representar estas mulheres é um ato político de grande responsabilidade”, diz Barbara. “Elas abriram um espaço onde antes se tinha o silêncio e as gerações que vieram depois, como Zezé Motta e Taís Araújo, se ocuparam de reinventar este espaço.”

A paulistana Ivy sublinha que é fruto das oportunidades de políticas públicas que permitem a formação e a continuidade de uma carreira através de editais fomentadores de cultura. Graças a estas iniciativas, ela garante que trabalha há 21 anos, mas também acredita que estas dinâmicas são pontuais, assim como foi o Teatro Experimental do Negro, companhia criada e mantida pelo ator Abdias do Nascimento, que revelou nas décadas de 1940 e 1950, entre outros, Ruth e Léa. “É necessário um aculturamento que não seja efêmero e é um desafio circular pela televisão, cinema e teatro porque quem detém o direto à pesquisa não é proporcional”, comenta a atriz, que atualmente roda o filme A Cuidadora, dirigido por Fernando Fraiha.   

Ivy Souza e Barbara Reis em um momento de Ruth & Léa. Foto Valmyr Ferreira

Como encenador, Luiz Antonio Pilar virou uma espécie de biógrafo de personalidades pretas no teatro. Ele comandou os musicais Leci Brandão – Na Palma da Mão, sobre a cantora e compositora carioca, e Pérola Negra do Samba, que estreou em setembro para divulgar o pagode raiz de Jovelina Pérola Negra (1944-1998). Em julho, uma produção dedicada ao cantor Neguinho da Beija-Flor ocupará o Teatro Claro Mais, no Rio. 

Fora do terreno do cancioneiro popular, Pilar montou Os Irmãos Timótheo da Costa, peça inspirada em João e Arthur Timótheo da Costa, pintores do início do século XX apagados da historiografia, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte. Pilar reconhece o crescente interesse em torno dos personagens pretos. Não romantiza, porém, a suposta tomada de consciência, principalmente na televisão.

“Existiu um corte a partir do episódio que envolveu o assassinato de George Floyd em 2020 e fez a Globo decidir de que lado ficaria”, afirma ele, que dirigiu na emissora as novelas Sinhá Moça (2006) e Todas as Flores (2022). “Precisou ser revisto que país estava sendo mostrado e contado na teledramaturgia.”

Serviço

Ruth & Léa

Teatro do Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93

Quarta a sexta, 20h. Sábado e domingo, 18h. Sessões extras nas sextas, 21 e 28, às 16h. R$ 50

Até 30 de novembro (estreia 13 de novembro)

[acf_release]
[acf_link_para_comprar]

Ficha Técnica

[acf_ficha_tecnica]

Serviço

[acf_servico]