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Amanda Lyra e Juuar dirigem “Estratagemas Desesperados”, inspirada em autoras que abordam o terror

Sinopse

Personagens femininas se tornam agentes da violência em espetáculo do Sesc 24 de Maio sobre um gênero raro no teatro

Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 17 de julho de 2025)

Na noite do sábado, dia 12, as diretoras Amanda Lyra, de 43 anos, e Juuar, de 38, tiveram pesadelos. Elas tinham acabado de assistir ao filme Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmer, de David Lynch, realizado logo depois do cancelamento da série de terror ambientada em uma misteriosa cidade do interior. “Tem sido assim, um ano de muitos sonhos agitados e alguns pesadelos”, brinca Juuar, conhecida pela codireção das recentes montagens de Felipe Hirsch, Língua Brasileira, Agora Tudo Era Tão Velho – Fantasmagoria IV e Avenida Paulista, Da Consolação ao Paraíso.

Além de Twin Peaks, a dupla viu ou reviu desde a metade de 2024 os longas Psicose, de Alfred Hitchcock, O Exorcista, de William Friedkin, Possessão, de Andrzej Żuławski, e As Boas Maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas, entre outros. Mesmo que a inspiração do espetáculo Estratagemas Desesperados, que chega ao palco do Sesc 24 de Maio nesta quinta, 17, seja a literatura de terror, o cinema, o mais popular veículo do gênero, fez parte constante da pesquisa. “Não teve como escapar desse imaginário que permeia a nossa cabeça”, justifica Juuar. “As conversas entre os livros e os filmes são as maiores referências da encenação, dos cortes de luz e da trilha sonora.”

Carlota Joaquina, Amanda Lyra, Stella Rabello e Monalisa Silva em Estratagemas Desesperados. Foto Mayra Azzi

Pouco explorado no teatro, o terror é a base de Estratagemas Desesperados, dramaturgia construída pela dupla inspirada na obra de três escritoras contemporâneas, a argentina Mariana Enriquez, a equatoriana María Fernanda Ampuero e a espanhola Layla Martinez. A montagem, protagonizada por Amanda, Carlota Joaquina, Monalisa Silva e Stella Rabello, lança um olhar sobre o feminino e a violência de gênero que desafia os arquétipos e padrões morais na ficção. As personagens se tornam agentes do ódio e não só reagem às atitudes masculinas. 

“Se elas simplesmente reagissem, os homens ainda estariam no centro da ação, então, as mulheres não estão apenas se vingando do que sofreram”, justifica Amanda, destacada atriz paulista, que assina a sua primeira direção e se aproximou da carioca Juuar nos espetáculos de Hirsch. 

Carlota Joaquina em Estratagemas Desesperados. Foto Mayra Azzi

Os contos Nada de Carne sobre Nós e Onde Está Você Coração?, de Mariana, Crias, de María Fernanda, e o trecho do romance Cupim, de Layla, são histórias em primeira pessoa. A personagem de Stella, por exemplo, encontra uma caveira na rua e fica obcecada pelo esqueleto. Amanda faz uma mulher que nutre um desejo inusitado por homens com problemas de saúde, enquanto Monalisa interpreta uma jovem que teve o corpo do pai emparedado em casa pela própria mãe. Por fim, Carlota protagoniza uma história de amor meio torta. Ela conhece o amor com um vizinho e cria uma tensão por um ato que, mesmo permitido, pode ser considerado assédio. “São mulheres fortes que quebram imagem da fragilidade alimentada pela dramaturgia desde que Shakespeare criou Ofélia na peça Hamlet”, explica Amanda.    

Estratagemas Desesperados é o resultado de uma lapidação cada vez mais rara no teatro brasileiro. Trata-se de um trabalho que começou a ser colocado em prática em julho do ano passado em uma residência de pesquisa e criação dramatúrgica no CPT – Sesc Consolação

Vinte inscritos participaram de dois encontros semanais por dois meses que partiram de quinze histórias criadas por autoras latino-americanas da atualidade focadas no horror. O vasto material analisado foi afunilado até o grupo chegar aos quatro contos que tratam do desejo com função de violência. A abertura de processo, com amostra de algumas cenas, foi realizada na 7ª edição do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, em setembro, na cidade de Santos. “Com o diálogo que cada obra travava entre si, fomos desenvolvendo um trabalho corporal com os residentes que sobreviveu para a montagem como um pensamento de expressão e palavra”, conta Juuar. 

Stella Rabello em cena da peça Estratagemas Desesperados. Foto Mayra Azzi

Em todas as histórias, a casa ultrapassa o elemento cenográfico e se mostra quase personagem das tramas. Um paradoxo é estabelecido para provocar um questionamento entre os espectadores. Será que o horror está na rua e a casa serve de proteção ou o perigo se desenvolve dentro das estruturas domésticas? Para Amanda, a casa é que se assombra com o que acontece dentro dela. “A visão destas escritoras é diferente do sobrenatural europeu com bruxas e vampiros, e a ação é detonada por acontecimentos”, diz.

Na leitura das diretoras, Mariana Enriquez, María Fernanda Ampuero e Layla Martinez reinventam o gênero por aproximar o público das estranhezas que mexem com as personagens. “O espectador é colocado em um transe de sentimentos avessos porque sente um profundo nojo e, daqui a pouco, fica com o maior tesão”, observa Juuar. Amanda complementa a colega alegando que a escrita das autoras é marcada por mulheres que levam as obsessões às últimas consequências: “O negócio é não manter o espectador estável e seguro”.

Serviço

Estratagemas Desesperados

Teatro do Sesc 24 de Maio, Rua 24 de Maio, 109, República

Quinta, 19h; sexta, 20h; sábado, 17h e 20h; domingo, 18h. R$ 60

Até 10 de agosto (estreia 17 de julho)

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Ficha Técnica

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Serviço

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