Em “Jogo de Imaginar”, a cia. Barracão Cultural pratica o gênero educativo, mas com muita brincadeira e a valorização da busca de ancestralidade como forma de autoconhecimento
Por Dib Carneiro Neto
Desde que Jogo de Imaginar, uma produção da Cia. Barracão Cultural, estreou, no ano passado, já fizeram perto de 90 sessões do espetáculo. Atualmente, está em cartaz nas manhãs de domingo do Sesc Ipiranga, em São Paulo. Trata-se de um espetáculo didático que passa longe de ser chato e professoral. Fala de um jeito brincalhão e ágil sobre a história do teatro, suas diversas escolas ou gêneros, seus maiores representantes.
A cultura afro-brasileira anda de mãos dadas com tudo o que transcorre no palco. Vivido por Guilherme Wander, que levou por esse trabalho o Troféu-Caneca Pecinha é a Vovozinha de melhor ator em 2022, o carismático personagem Eulindo quer conhecer mais sobre teatro, porque desconfia que isso o levará a saber mais de si e da história de seus ancestrais. Um menino negro em busca de sua ancestralidade. A única pista que ele tem é uma máscara teatral que pertencia a seu avô. O espetáculo tem como proposta a formação de público e o despertar do interesse das crianças pelo teatro. É dirigido por Thaís Medeiros, com dramaturgia de Lucas Moura e atuações de Caio Teixeira, além de Guilherme Wander.
Na trajetória investigativa de Eulindo, ele vai passar pelo Egito e a Grécia antiga, visitar os homens das cavernas e aprender a apreciar a Commedia Dell’Arte, as peças de Shakespeare, o teatro Nô japonês e as tradições cênicas nas Américas. Por fim, chega ao Teatro Experimental do Negro, criado por Abdias do Nascimento (1914-2011), escritor, artista visual, teatrólogo, político e poeta brasileiro, um dos maiores ativistas dos direitos das populações negras que o Brasil já teve.
O teatro está no encontro
Mas por que é tão importante falar de história do teatro para crianças? “A história do teatro é uma incógnita para muita gente e quase sempre só trabalhada em escolas de arte ou universidades”, opina o ator Caio Teixeira. Acho que Jogo de Imaginar dá a mão não só às crianças, mas também aos adultos, e os faz navegar no mesmo barco, mostrando que teatro não é só o que veio da Europa. E sim que ele está no encontro, no corpo, no olhar e em todo lugar!” Guilherme Wander também responde: “Eu acho importante falar de teatro para fomentar a cultura e o entendimento de si – o despertar do autoconhecimento por meio da arte e da informação além da tecnológica.”
O Canal MF também quis saber dos dois atores qual o maior desafio que enfrentam nesta peça. “Provavelmente sejam as minhas trocas de personagens”, diz Caio, que na peça é a figura que apresenta o teatro para Eulindo, “Quando não estou em cena, estou sempre na correria na coxia mudando de roupas e adereços para entrar no momento certo.” Guilherme, por sua vez, declara: “Meu maior desafio na peça é despertar no público a participação, a interação, ou seja, conseguir trabalhar o ápice da energia do público para potencializar o espetáculo.”
Nessa bela farra de interatividade, tudo funciona muito bem. Caio diz que esse recurso tem sido sempre um sucesso, sobretudo quando convidam algumas crianças para subirem ao palco e representarem pessoas das cavernas descobrindo o fogo. “Acho que é a cena favorita das crianças”, avalia ele. “Já com os adultos a melhor é a cena final, quando toda a trama é revelada e as interrogações de quem foi o Avô de Eulindo são fechadas.”
Guilherme Wander acrescenta: “É um espetáculo que depende da energia e da interação do público para acontecer. É uma troca propícia de emoção e conhecimento. Se o público está com a gente e disposto a rir, ele vai assim do começo ao fim. Eu amo a frequência e o frescor que a plateia traz para a composição deste trabalho. É muito engraçado perceber que desde o começo sabemos qual o tom do espetáculo. Se o público, na chegada do Eulindo, tem uma boa recepção, o restante também será bom, porém se é um público tímido já sabemos que até a risada será difícil de conseguir tirar dele.”
Desenho animado com muito quiproquó
A conclusão dos dois atores é que, por causa da interação, cada apresentação de Jogo de Imaginar é de um jeito e ritmo. “Durante esse processo fomos percebendo coisas que funcionavam mais na base do improviso”, conta Caio. “Em um trecho da Commedia Dell’Arte, por exemplo, havia apenas uma pequena interação do cachorro com o público, mas isso foi crescendo e ganhando mais força, até que agora domina a maior parte da cena.” Guilherme também comenta esse mesmo momento do espetáculo: “Eu gosto muito dessa cena. É um momento em que o público se rasga no riso, mas também entra no clima do que a direção quis ressaltar: as linguagens de desenho animado e de quiproquó cômico.”
Caio Teixeira lembra de outra cena de que gosta muito: “Adoro quando faço as aparições da personagem Fã confusa, que ora acha que Eulindo é Shakespeare, ora acha que ele é Abdias do Nascimento. Além de ser a personagem que mais me permite brincar com o público, ela também traz para o protagonista a vontade e curiosidade de encontrar uma história em que ele também se veja.”
Pedimos, por fim, que cada um dos dois atores nos contasse algo ocorrido nas temporadas até aqui. Caio: “Uma vez, depois do espetáculo, uma criança de mais ou menos 8 anos de idade me procurou e pediu para examinar as minhas mãos. Eu, sem entender bem do que se tratava, deixei. Ela me segurou pelas costas das mãos e examinou atenta cada detalhe. Logo depois perguntou: “Você tem magia nas mãos, não tem?”
Guilherme: “Um dia atípico foi o dia em que recebi uma pessoa em situação de rua que vinha toda semana para assistir à mesma cena. Certa vez, na cena do cachorro, essa pessoa soltou um soluço de riso e, depois, ficou com tanta vergonha que até ronronava de alegria. Quando eu saí na Avenida Paulista (a temporada inicial foi no teatro do Itaú Cultural), ele me viu e gritou: au au au e imitava o cachorro da peça. Ali percebi que o trabalho chegava em quem tinha de chegar.”
Serviço
Jogo de Imaginar
Sesc Ipiranga. Rua Bom Pastor, 822
Domingos e feriados, 11h. R$ 30. Crianças até 12 anos não pagam
Até 3 de dezembro