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A caminhada precisa de Mariana Muniz entre a dança e o teatro dramático

Sinopse

Atriz e bailarina estreia o solo “Das Tripas: Sete Histórias”, baseado em textos da escritora Ezter Liu sobre o universo feminino

Por Dirceu Alves Jr.

Se borrar fronteiras entre gêneros e linguagens virou uma tendência contemporânea nos palcos, a atriz e bailarina Mariana Muniz, de 66 anos, foi encarada com estranheza, inclusive pelos colegas, na segunda metade da década de 1980. Nesta época, ela desafiou conceitos ao transitar entre a dança e os espetáculos dramáticos e enxergar o corpo e a voz como elementos complementares em cena. “A palavra é onde está o movimento, e a voz sempre tem uma proposta de dança internalizada”, define ela, sobre o seu trabalho.

Com o solo Das Tripas: Sete Histórias, construção coreográfica e teatral inspirada nos contos do livro Das Tripas Coração, da escritora pernambucana Ezter Liu, Mariana dá um novo passo na consolidação de sua assinatura no segmento teatro-dança. Sob a direção de Clara Carvalho, a montagem, que será vista entre a quarta (21) e a segunda (26) na Oficina Cultural Oswald de Andrade, traduz questões como resignação, violência, amor e religiosidade em textos e coreografias que, apesar de não carregarem a ideia de denúncia, expõem realidades vividas pelas mulheres.

Cena de Das Tripas: Sete Histórias, com Mariana Muniz. Foto Claudio Gimenez

Em uma das cenas, Mariana representa Dona Rosa, que vê a sua casa tomada por formigas, prestes a desabar, mas não abandona o lar porque acredita que Deus vai protegê-la de qualquer tragédia. Em outra, interpreta Helena, andarilha que atravessa as ruas na tentativa de esquecer das aflições do cotidiano. “São mulheres do Nordeste capazes de extrapolar qualquer limite regional e atingir a universalidade por causa da resistência”, explica. “Clara e eu fomos buscando onde a voz do corpo é fundamental para que a palavra se sobressaia e vice-versa e acredito que temos um experimento muito preciso.”

A pernambucana Ezter Liu, de 47 anos, nasceu no Recife, mora em Carpina e, além de poeta e contista, é policial – o que lhe proporciona uma ampla visão do universo feminino. “As histórias têm um quê de concretude, tanto aquelas imaginadas por Ezter como as que nascem inspiradas em sua vivência no ambiente policial”, define a artista. Mariana descobriu o livro Das Tripas Coração na pandemia e realizou uma versão online filmada no Teatro Aliança Francesa, exibida em um projeto virtual do Grupo Tapa. “Foi um grande aprendizado, mas, agora, partimos para uma outra realidade porque o que me interessa sempre é o diálogo com a plateia.”

Como Ezter, Mariana é pernambucana. Nasceu em Caruaru, cresceu no Recife e, aos 12 anos, foi estudar na escola de dança clássica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. “Meu pai já pensava em morar no Rio, tinha um tio lá, só que, ao ouvir de uma professora de balé que eu precisaria expandir meus conhecimentos, acho que isso acelerou a decisão dele”, lembra. A descoberta da arte contemporânea chegou na década de 1970 graças aos ensinamentos dos coreógrafos Angel e Klauss Vianna, que abriram uma nova perspectiva para a jovem bailarina. “Klauss e Angel foram os pais do meu caminho artístico e responsáveis por uma formação de música, literatura e práticas de corpo inovadora”, diz a artista. “Foi Klauss quem enxergou que eu tinha que falar no palco e tenho ainda a ideia de montar um trabalho sobre nossa relação.”

A convite de Klauss Vianna, Mariana fez as malas e passou a integrar o Balé da Cidade de São Paulo em 1982. Na capital paulista, onde vive até hoje, começou a testar a palavra em meio as coreografias. A primeira vez que falou em cena foi em Nijinsky, espetáculo escrito e dirigido por Naum Alves de Souza em 1987, sobre o bailarino russo. “O Naum me ensinou a andar no palco, caminhar mesmo, não flutuar”, reconhece.

Corpo de Baile e Lago 21, encenações comandadas respectivamente por Ulysses Cruz e Jorge Takla, revelaram Mariana como intérprete dramática a ponto de impressionar o diretor Antunes Filho, que a convidou para integrar o CPT (Centro de Pesquisa Teatral). Em uma imersão profunda, a artista ensaiou durante meses, talvez um ano, o espetáculo, Paraíso Zona Norte, reunião das peças A Falecida e Os Sete Gatinhos, de Nelson Rodrigues, da qual seria protagonista, e conheceu de perto a genialidade e as dificuldades do temperamento do encenador. “Um aprendizado gigantesco e profundo, com toda a ironia e a crueldade que as coisas podem ter”, afirma ela, fazendo referência a um dos textos que fala em Das Tripas: Sete Histórias. 

Mariana Muniz em cena de Das Tripas: Sete Histórias. Foto Claudio Gimenez

Um dia, perto da estreia, a atriz ouviu da boca de Antunes que estava fora do projeto. Mariana ficou doente e, para se erguer da queda, deu o grande salto artístico. Criou e protagonizou o primeiro de seus muitos solos, Paidiá, lançado ainda em 1989, com textos de Paulo Leminski, Machado de Assis e Mário de Andrade, em uma investigação que ainda trazia à tona as raízes da cultura popular nordestina. Era a síntese de todas as suas influências – da bailarina clássica à recente atriz dramática – que se tornou uma espécie de trilha dos trabalhos autorais desenvolvidos até hoje. 

Dali em diante, o nome de Mariana passou a ser associado tanto às personagens dramáticas do teatro como aos experimentos de dança moderna e, em muitos casos, representaram a bem-sucedida fusão dos dois estilos. Um exemplo é o recente espetáculo Agnes de Deus, thriller psicológico de John Pielmeier dirigido por Murillo Basso, que ficou em cartaz entre outubro e dezembro do ano passado. Na pele de uma madre superiora, Mariana intercalava diálogos e solos coreográficos e, em meio a temporada de Agnes de Deus, começaram os ensaios para a estreia de Das Tripas: Sete Histórias, sob o olhar da colega de elenco Clara Carvalho, desta vez diretora.

“Fico atenta para entender onde é só corpo, onde entra a palavra e onde tudo é um elemento só, porque, na minha carreira, uma coisa sempre puxa a outra”, conclui Mariana, que, depois desta curta temporada de Das Tripas, estreia em 14 de março a peça Dias e Noites de Amor e de Guerra, direção de Cesar Ribeiro no Sesc 24 de Maio.

Serviço

Das Tripas: Sete Histórias.

Oficina Cultural Oswald de Andrade. Rua Três Rios, 363, Bom Retiro.

Quarta (21) a sexta (23) e segunda (26), 19h; sábado (24), 18h. Grátis. Ingressos disponíveis uma hora antes.   

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Ficha Técnica

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Serviço

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