Em cena, a atriz e dramaturga Claudia Mauro vive a própria mãe, que sofreu um AVC
Por Kyra Piscitelli
Nem todas as narrativas nascem como ficção. Muitas vezes, o autor precisa se apoiar em sua própria trajetória. A razão é o que menos importa, pois histórias reais permitem que as pessoas se identifiquem com mais facilidade ao corriqueiro da vida. Assim é o espetáculo A Vida Passou Por Aqui, que chegou a São Paulo depois de seis anos de sucesso no Rio de Janeiro – a temporada termina no dia 20 de agosto, mas, devido ao sucesso de público, será retomada no dia 2 de setembro, com sessões aos sábados e domingos.
É uma peça sobre tempo, alegria, histórias e emoção a partir da construção da amizade entre Silvia (vivida por Claudia Mauro) e Floriano (Édio Nunes).
“Escrevi a peça em um momento muito difícil da minha vida e consegui transformar isso em arte. Ter retorno da crítica e do público é muito importante porque é sobre uma trama verdadeira, é a história do meu pai e da minha mãe, que escrevi quando ela teve um AVC”, conta Claudia, que vive a própria mãe em cena.
Com o AVC, a mãe não poderia mais morar sozinha e, nesse processo de se desfazer da casa dela, Claudia se lembrou da história de um grande amigo dos pais, chamado Floriano. “Isso me motivou a misturar ficção e realidade na qual minha mãe, aos 74 anos, sofre um AVC – como de fato sofreu – e vai parar em uma casa de repouso onde esse amigo vai visitá-la”, diz Claudia.
Durante o processo criativo do espetáculo, no entanto, o pai de Claudia morreu e a história se transformou em uma grande caixa de lembranças. “A ideia era passar a mensagem de que a alegria cura, mas, no meio do caminho, perdi meu pai. Aí a história cresceu e me deu motivo para revisitar várias passagens da minha vida, pessoas da família, amigos. Juntei tudo e a mistura resultou em A Vida Passou Por Aqui.“
Com direção de Alice Borges, a peça trata da profunda e sólida amizade entre uma mulher e um homem de estratos sociais diferentes: Silvia (Claudia), professora e artista plástica, que viveu grande parte da vida às voltas com as crises do casamento e um enorme sentimento de solidão, e Floriano (Édio Nunes), boy e faxineiro, de hábitos simples e inteligente por natureza, que sempre levou a vida com leveza e bom humor.
Depois de quase meia década de convivência, Silvia se transforma em uma mulher solitária que se recupera de um AVC, e Floriano é o único amigo ainda presente. Aos poucos, ele contagia Silvia com sua alegria de viver e senso de humor, que acabam devolvendo a saúde e os movimentos à amiga. Juntos, se divertem e rememoram os altos e baixos de quase 50 anos de amizade.
De João Bosco a Bill Haley
A montagem se estrutura entre passado e presente. Valendo-se basicamente do trabalho corporal, os atores passeiam por cinco décadas – dos anos 1970 até os dias de hoje, e por todas as mudanças em suas vidas.
A trilha sonora acompanha a linha do tempo, desfilando um repertório variado e icônico que vai de João Bosco a Martinho da Vila, passando por Bill Haley & His Comets, especialmente seu grande hit, Rock Around The Clock.
As mudanças nos figurinos são sutis, nos detalhes e acessórios – as roupas se transmutam ao invés de serem efetivamente trocadas. O cenário divide o palco em uma área ocupada por um pequeno sofá, e outra que tanto pode ser uma sala, um escritório ou uma mesa de bar. Os ambientes também transitam entre passado e presente graças aos elementos adicionados pelos atores.
Assim como Silvia foi inspirada na mãe de Claudia, Floriano também nasceu de um personagem real. “Esses dois amigos vêm de extratos sociais diferentes, porque esse amigo foi boy e faxineiro da minha mãe e ficou muito amigo da família. Essa parte da história é verdadeira.”
“Realmente posso considerar essa peça como um divisor de águas na minha vida profissional e particular. Em nenhuma outra tive o retorno que conquistei nessa e em nenhuma compartilhei a experiência que divido com o público. É o espetáculo da minha vida”, diz Claudia Mauro, lembrando que, em cena, ela estabelece uma conexão com seus pais, o que é percebido pelo público.
Coleção de prêmios
No Rio de Janeiro, a peça venceu o prêmio APTR de melhor texto e recebeu indicações ao prêmio Cesgranrio e APTR de melhor atriz, além de ter sido indicada ao prêmio de melhor texto do Botequim Cultural.
E Claudia reconhece a importância de ter sido premiada por uma história pessoal. “O reconhecimento do público – que reage muito bem durante a peça – e o da crítica e da mídia são importantes para consagrar esse trabalho tão importante”, finaliza.
Serviço
A Vida Passou por Aqui
Teatro J. Safra – Rua Josef Kryss, 318, Barra Funda
Sexta e Sábado, 21h, Domingo 19h. R$ 40 / R$ 90
Até 20 de agosto. Retorna em 2 de setembro, quando ficará em cartaz aos sábados e domingos