Musical de Ulysses Cruz permite que os espectadores fiquem ao lado dos atores e até ajudem a movimentar o cenário
Por Ubiratan Brasil
O ator Caio Paduan ficou parado por instantes, tomado por um silêncio pensativo, enquanto buscava resposta para a questão: como definir a experiência de participar de Iron – O Homem da Máscara de Ferro, musical que, de tão original, é chamado de electro ópera e que está em cartaz no 033 Rooftop, do Teatro Santander?
Afinal, o elenco de 15 atores-cantores circula livremente pelo grande salão, em meio a cenários móveis montados pelo próprio grupo ao longo da encenação. E, maior dos desafios, como atuar com o público circulando entre os atores, interagindo livremente com eles como se estivessem todos em uma festa?
“Nossa reação pode ser definida com o título de um filme premiado: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo“, diz Paduan, feliz depois de alguns minutos de reflexão. “Estaremos interagindo diretamente com as pessoas, que estarão bebendo e fotografando tudo, e até nos ajudando a movimentar os cenários. Nosso desafio é, em nenhum momento, descuidar da encenação.”
De fato, o 033 Rooftop do Teatro Santander é um espaço nada convencional, onde todas as encenações realizadas até agora já rodeavam o público, que assistia acomodado em mesas e cadeiras – foi assim, por exemplo, em Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812 e em Zorro, Nasce uma Lenda.
Agora, a experiência é mais radical, pois se há uma arquibancada com 96 lugares de onde as pessoas podem acompanhar a trama sentadas, há também a opção para assistir tudo em pé e circular livremente pelo espaço cênico – e não durante muito tempo, pois a peça tem duração de 90 minutos, com 15 de intervalo.
“Nosso espaço é de experimentação, daí a opção por não ter palco convencional”, conta o encenador Ulysses Cruz, que idealizou o projeto ao lado de Paduan e Marcos Daud. “A proposta é que as pessoas respirem junto com os atores, como se fosse uma balada imersiva.”
Jogo cênico
Incansável em buscar novos caminhos, Cruz já havia testado o espaço com a montagem de Zorro, em que as mesas da plateia delimitavam caminhos por onde os atores passavam. Agora, em Iron, o desafio foi criar um jogo cênico que não colocasse o público em uma situação desconfortável. “Se alguém quiser apenas observar, sem ter de ajudar o elenco na montagem do cenário, não tem problema.”
É esse processo colaborativo que vai dar forma aos diversos ambientes onde a ação acontece – uma galeria de arte, o Palácio de Versalhes, o laranjal do Rei Luís XIV, a Bastilha, o quarto real, uma festa no salão dos espelhos.
O curioso é que Iron – O Homem da Máscara de Ferro nasceu originalmente como um projeto de peça convencional. O romance O Homem da Máscara de Ferro, de Alexandre Dumas (1802-1870), foi o ponto de partida. Marcos Daud fez uma livre adaptação em 90 páginas da história de dois irmãos com destino bem distintos: enquanto um é preparado para ser Luís XIV, o novo rei da França, o outro, Philipp, é obrigado viver encarcerado e, como se parece muito com o irmão, seu rosto é escondido por uma máscara de ferro.
A vilania de Luís XIV, porém, que oprime o povo enquanto desfruta de uma vida nababesca, convence os famosos três mosqueteiros Athos, Porthos e Aramis a assumirem a missão, ao lado de D’Artagnan, a depor o rei egocêntrico e substituí-lo pelo homem encarcerado.
O elenco já ensaiava os primeiros passos quando Cruz decidiu apostar alto e transformar o projeto em um musical distópico, utilizando o processo de deposição do rei como fio da meada.
Música eletrônica
Para isso, virou tudo de ponta-cabeça. Primeiro, chamou André Abujamra para criar as canções, mas a parceria não vingou. Então, apostou no talento certeiro do jovem compositor Elton Towersey que, apoiado na direção musical de Jorge de Godoy, trouxe elementos da música eletrônica ao mesmo tempo em que preservava a grandiosidade operística.
“Como tive praticamente um mês para compor as canções que ajudam a contar a trama, pedi a Ulysses que me contasse com detalhes como arquitetava o musical para eu responder com as composições”, disse Towersey, que só conheceu o elenco no seu primeiro dia de ensaio, ou seja, seu processo criativo corria em paralelo com a preparação dos atores.
“Foi um processo criativo a partir do zero: não tínhamos um original no qual podíamos nos apoiar”, comenta Godoy. “A cada dia, acrescentávamos algo, sempre em busca de uma sonoridade moderna, eletrônica, com sintetizadores que criassem o clima de balada.”
Descobertas também marcavam a rotina dos atores. Tiago Barbosa, um dos mais perfeitos intérpretes do musical brasileiro, assumiu a dupla tarefa de viver Luis XIV e Philipp. “São duas personalidades totalmente distintas: enquanto Philipp é marcado pela doçura, Luis é egocêntrico”, conta ele. “Descobrir o gestual de cada um foi como distinguir o sagrado do profano.”
Enquanto isso, Caio Paduan, que vive D’Artagnan, realiza seu primeiro musical e enfrentou o desafio do canto. “É realmente muito difícil e exigente. E, como esse espetáculo é original, precisei ainda trabalhar a concentração para executar bem a movimentação no meio do público”, disse ele, cuja atuação também se destaca. Como produtor, foi sua sugestão de o rei e a rainha serem interpretados por atores pretos – assim, Ana D´Áustria é vivida por Letícia Soares e sua voz encantadora.
Thobias da Vai-Vai
Manter o foco também é objetivo de Daniel Haidar, que interpreta Raoul, filho de Athos. “O mais difícil é sempre colocar a história à frente, para então conquistar a empatia do público e realizar a catarse.”
Para conduzir a história, Ulysses Cruz e Marcos Daud criaram duas figuras de narradores. Um deles é o próprio Alexandre Dumas, cujo processo de escrita do romance é visualizado na peça. Para interpretá-lo, o diretor convidou o sambista Thobias da Vai-Vai.
“Ele nunca tinha feito um musical, mas trouxe um elemento vocal novo, uma tonalidade típica do sambista habituado a contar uma história nos sambas-enredo”, comenta Cruz. “Pedi que não representasse, sem nada gestual, apenas dissesse as falas e cantasse.”
Já o mestre de cerimônias chamado Restiff é vivido por um ator experiente, intérprete cuja trajetória se confunde com a ascensão do musical no Brasil desde o final dos anos 1990: Saulo Vasconcelos. Com a experiência de quem participou de espetáculos marcantes (como O Fantasma da Ópera e A Bela e a Fera, para ficar em apenas dois), ele confere credibilidade ao narrador da trama.
“Busquei inspiração nas minhas fontes, musicais que trazem personagens semelhantes. É o caso de Moulin Rouge, Hamilton, Les Misérables, O Rei do Show“, conta Saulo, que canta a maioria das canções de Iron. “Como se trata de uma peça diferente, fiz experiências até encontrar o tom correto e também os caminhos para percorrer no meio do público sem perder minha marca”, afirma.
Para aumentar a experiência da imersão proposta pelo espetáculo, o bar estará aberto durante a encenação e um cardápio especial de pratos franceses foi criado para este evento.
Serviço
Iron – O Homem da Máscara de Ferro
Até 8 de outubro (conferir no site todas as datas disponíveis)
Horários: sextas-feiras, às 20h30; sábados e domingos, às 16h30 e 20h30
Local: 033Rooftop, do Teatro Santander
Endereço: Complexo JK Iguatemi – Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041
Duração: 90 minutos (com intervalo de 15 min)
Classificação indicativa: livre, menores de 12 anos devem estar acompanhados dos pais ou responsáveis legais.
Ingressos:
Cadeira: R$ 250
Pista imersiva: R$ 190