Peça se inspira em “Quem Matou Meu Pai”, do escritor francês, juntamente com as experiências de parte do elenco, para expor as vulnerabilidades dos afetos entre pai e filho; encenação, diante de uma estrutura social que inibe a demonstração do amor, dialoga com o documental e autobiográfico
Por Redação Canal Teatro MF (publicada em 27 de novembro de 2025)
Em Quem Matou Meu Pai, apesar do pronome interrogativo no início da frase, o escritor francês Édouard Louis não nos lança uma pergunta, pois ele já sabe quem é o responsável pelo “assassinato” paterno. Narrado na forma de uma carta aberta ao pai, o escritor expõe as atrocidades das estruturas sociais que não permitem formas mais libertárias de convivências e matam as possibilidades de amor e afeto.
Em um dado momento do livro, o narrador – ele mesmo – descobre surpreso que o pai quando moço dançava igual a ele: “O fato de que seu corpo já tivesse feito algo tão livre, tão bonito e tão incompatível com sua obsessão pela masculinidade me fez entender que talvez um dia você tivesse sido outra pessoa”.

Um grupo de artistas se inspirou nesta obra para a criação do espetáculo Papaizinho que estreia no Sesc Belenzinho. A dramaturgia é um trabalho de criação colaborativa assinado por Caio Scot, Felipe Rocha, Júlia Portes, Lucas Cunha e Luisa Espindula, que é acodiretora da obra ao lado de Caio. A criação se alimenta da obra de Louis, mas se aprofunda nas vivências do próprio Caio.
O espetáculo incorpora memórias resgatadas de fitas de VHS da família do ator, justapostas a gravações documentais de audições realizadas pela equipe para o projeto, batizado de Procura-se um pai. É nessa fusão entre o biográfico e o documental que a obra encontra sua força.
Papaizinho se entrelaça profundamente com o livro de Édouard Louis, que expõe a violência do sistema patriarcal e os ciclos de abuso e opressão. Louis analisa a relação com seu pai como um reflexo de uma sociedade que define os homens pela dureza, o que leva o pai a perpetuar o sofrimento de seu filho, ao mesmo tempo em que carrega em si as cicatrizes dessa mesma opressão social.

Embora não siga a narrativa literal do livro, a peça se apropria desse embate de gerações, questionando as expectativas sociais. A figura do pai no palco representa não apenas um indivíduo, mas um conjunto de normas rígidas que governam os afetos de maneira destrutiva. A busca do protagonista por um “pai” idealizado ou simbólico ecoa a luta de Louis para entender a sua difícil relação entre pais e filhos — um elo determinado por um sistema que inibe a vulnerabilidade e o afeto.
A montagem não se detém em apenas uma história, mas apresenta diversas experiências de pais e filhos, revelando a complexidade dessas figuras e como as trocas afetivas se perdem ao longo do tempo.
Para enriquecer a narrativa, o espetáculo utiliza projeções em vídeo que trazem histórias adicionais. Este material documental complementa a trama central, ilustrando o espectro da paternidade: desde a negligência e a falta de afeto – temas frequentemente presentes nas relações familiares – até exemplos de amor incondicional. Em cena, estão Caio Scot e Felipe Rocha.
Serviço
Papaizinho
Sesc Belenzinho. Rua Padre Adelino, 1000
Quinta a sábado, 20h. Domingo, 18h30. R$ 50
Até 14 de dezembro (estreia 27 de novembro)
