Coletivo mineiro estreia “(Um) Ensaio sobre a Cegueira”, libelo contra a perda do senso de humanidade
Por Ubiratan Brasil (publicada em 19 de novembro de 2025)
Quando leu o romance Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, o diretor Rodrigo Portella, do Grupo Galpão, ficou empolgado a ponto de planejar levar a história para o teatro. “A obra revela o modo como, em um mundo despojado das aparências, enxergamos, realmente, quem somos e o que, em essência, significa ser humano”, destaca o encenador, que desde a década de 1990 pretendia realizar o projeto, o que aconteceu neste ano.
(Um) Ensaio sobre a Cegueira chega ao Sesc 24 de Maio depois de temporadas em Minas e no Rio de Janeiro. O ponto de partida é o mesmo do romance do ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1998: a partir de um motorista que está parado em seu carro diante de um sinaleiro, uma epidemia de cegueira assola a cidade, privando seus habitantes de enxergar o mundo como antes. Rapidamente a condição se espalha e coloca à prova a moral, a ética e as noções de coletivo.

“A cegueira pode ser uma metáfora da perda de sentido e do senso de humanidade, assim como de nossa capacidade de enxergar além do que se vê”, conta Portella, que propõe uma experiência em que a imaginação do público assume papel central. No espaço cênico despojado, sem cenário ou artifícios, os próprios atores manipulam objetos, luz e som, e constroem diante da plateia as imagens e situações da narrativa. A encenação aposta na teatralidade explícita e na sugestão em lugar da representação literal, convidando o espectador a completar o que não se mostra.
Para aguçar ainda mais a experiência, Portella instituiu o “Ingresso Experiência”, que integra o público à ação: pessoas são vendadas e inseridas na cena como novos grupos de cegos que chegam ao manicômio, o que modifica a relação entre quem assiste e o que é encenado, aproximando ficção e realidade.

Na opinião de Portella, em Saramago, vê-se algo como o ofuscamento do saber ou a representação da ignorância, da curiosidade e do interesse genuíno no coletivo. “Para mim, a obra é a alegoria, quase satírica, de uma sociedade mergulhada numa espécie de produtivismo capitalista que o próprio Saramago chama de mal branco. Não é sobre não poder ver, como uma deficiência visual, é sobre não enxergar o que se vê”, analisa.
Ele continua: “Estamos cegos diante de tanta imagem, perdemos a capacidade de ler o mundo em camadas mais complexas. Quando vou a um museu muito turístico, constato uma cegueira geral. Poucas pessoas veem, de fato, as obras. A maioria, ao contrário, não as enxerga, pois perdeu a capacidade de ler, observar e reter. Elas estão distraídas com suas selfies ‘instagramáveis’, perdidas numa espécie de automatismo”.
Serviço
(Um) Ensaio sobre a Cegueira
Sesc 24 de Maio. Rua 24 de Maio, 109
Quinta a sábado, 19h. Domingo, às 18h. R$ 70
Até 14 de dezembro (estreia 20 de novembro)
