“Mudanças no Galinheiro Mudam as Coisas por Inteiro”, do grupo Folias, usa livros da consagrada Sylvia Orthof para transmitir às crianças, com humor e leveza, o tema delicado dos papeis de gênero exercidos dentro de cada família
Por Dib Carneiro Neto (publicada em 24 de outubro de 2025)
Está em cartaz em São Paulo, desde a semana passada, mais um feliz casamento entre literatura infantil e teatro. Mudanças no Galinheiro Mudam as Coisas por Inteiro, com dramaturgia e direção de Maristela Chelala, é adaptação de três livros da consagrada autora Sylvia Orthof (1932-1997). A inciativa partiu do grupo Folias, veterano na cidade, que está abrigando o espetáculo em sua sede, o Galpão do Folias.
“Fiquei muito feliz quando recebi o convite do grupo Folias para dirigir esta peça, pois sempre fui fã da companhia, que fez parte da minha formação, no sentido de ter visto muitos espetáculos deles”, comemora Maristela Chelala. “Estão na segunda geração e são jovens já com mestrado, já trabalhando, já pesquisando. Uma honra estar com eles e vivenciar essa troca.”
Chelala nos conta como o projeto começou: “Uma das atrizes, Clarrisa Moser, que é arte-educadora, é muito fã dos livros de Sylvia Orthof, que eu confesso que não conhecia tanto quanto ela. Fui ler tudo da Sylvia e me interessei muito. Pedi para fazer a dramaturgia também, não só a direção, e o grupo topou. Ela é uma autora que revolucionou o gênero, seus livros foram inusitados para a época. Minha dramaturgia usou como esqueleto-base o Mudanças no Galinheiro…, livro pelo qual me apaixonei muito, mas também incluí na peça trechos de outros dois, Cabidelim e Pomba Colomba.”

A atriz Clarissa Moser comenta por que admira a obra de Orthof: “Caí de amores pela Sylvia Orthof porque seus livros sempre surpreendem, com finais até meio malucos. E, claro, adoro que os textos dela possuem uma pegada feminista, que coloca a mulher em outra perspectiva. Nada de princesinhas românticas”.
Chelala é totalmente a favor de adaptar livros para teatro e o faz com um prazer incomum. Ela diz: “Foi muito legal escrever. Escrevo dramaturgicamente como se fosse um jogo, sempre. Adoro fazer adaptações de livros para, primeiro, entender o que os autores quiseram dizer e, depois, fazer no palco do meu jeito, acrescentando ou tirando coisas. Nesta peça, por exemplo, criei um jornaleiro e um leiteiro, que não estão no livro”.
Como diretora, segundo ela, os desafios foram até maiores. “Como essas cinco pessoas do elenco vão trocar tanto de roupa e tão rápido? Foi minha maior preocupação como diretora. Porque são muitos personagens. Há muita correria nos bastidores para que tudo saia perfeito no palco. Mas o elenco é incrível e está dando conta.” São eles: Alex Rocha, Carla Massa, Clarissa Moser, Marina Esteves e Marcella Vicentini. Ela prossegue: “O mais legal de tudo isso é que o teatro é vivo. Então, já vimos coisas na estreia que teremos de mudar, de cortar, de resolver. Na segunda semana, já será diferente.” Bem, pelo jeito, essas “mudanças no galinheiro” já estão inspirando e provocando outros tipos de mudanças.

O espetáculo fala de um tema sempre importante de se reforçar com as crianças: papeis de gênero. “A gente precisa entender de uma vez por todas o que é esse patriarcado que ainda nos assola, com suas regras ultrapassadas e seu modo de vida ainda tão presente dentro de todos nós, mesmo que a gente lute contra tudo isso”, declara Chelala. “E, para compreender a fundo e banir isso das famílias, é importante falar desde cedo com as crianças, na esperança que suas famílias sejam melhores do que foram as nossas. Eu, por exemplo, como diretora, ainda preciso chegar em um teatro cheio de técnicos homens e saber lidar com eles, afinal, é uma mulher que chega ali mandando, querendo coisas, pedindo tarefas para cada um deles. E isso acontece na vida, em todas as profissões e, sobretudo, dentro de casa também.”
No enredo da peça, a galinha não percebe que o galo é um marido tóxico. “Todo mundo em volta percebe, menos ela”, conta Maristela Chelala. “Os próprios filhos, os pintinhos, alertam a mãe, mas em vão. O jeito ‘machista’ do galo está internalizado na rotina do galinheiro. É difícil mudar. E como tratar disso no teatro para crianças? Com humor. Eu não consigo ver outro jeito. Para mim, a comunicação vem pela diversão. Acredito em poder falar o que quisermos com as crianças, com amor e respeito. E acredito no humor como forma transformadora.”
Serviço
Mudanças no Galinheiro Mudam as Coisas por Inteiro
Galpão do Folias. Rua Ana Cintra, 213, Campos Elíseos
Sábados e domingos, 15h. R$ 40
Até 30 de novembro (estreou 18 de outubro)
