Marco Antônio Pâmio dirige os atores Rafael Primot e José Pedro Peter, autor do texto, em peça que estreia no espaço experimental do Teatro Vivo
Por Dirceu Alves Jr. (publicada em 1º de outubro de 2025)
Através da indicação de um amigo, o ator e diretor Marco Antônio Pâmio, de 63 anos, assistiu ao espetáculo Fortaleza, que cumpriu uma discreta temporada de três semanas no Teatro de Arena Eugênio Kusnet em janeiro. A montagem carioca, com texto de José Pedro Peter, protagonista ao lado de Carlos Marinho, tratava de dois amigos de adolescência afastados por preconceitos e já tinha feito algum sucesso no Rio, Belo Horizonte e Goiânia, antes de chegar a São Paulo. “Eu gostei principalmente da dramaturgia, daquele formato para dois intérpretes, com uma direção limpa, seca”, justifica Pâmio. “Peter perguntou se toparia conhecer um texto inédito dele e aceitei na hora.”
Na primeira leitura de Um Pequeno Incidente, Pâmio teve uma reação dúbia. “Ah, esse tema do HIV de novo”, pensou, meio desanimado. Como ator, ele tem dois marcos de sua carreira associados aos efeitos devastadores da epidemia da aids. Em 2000, o artista protagonizou Pobre Super-Homem, peça do canadense Brad Fraser dirigida por Sérgio Ferrara, e, em 2023, foi a vez de A Herança, obra do norte-americano Matthew López encenada por Zé Henrique de Paula, em que representou um sujeito dilacerado pela explosão do HIV na década de 1980.
“Quando terminei de ler Um Pequeno Incidente, eu mudei de ideia e pensei que fecharia uma trilogia na minha trajetória”, afirma. “A Herança tratava da destruição de uma comunidade, Pobre Super-Homem falava que ainda se morria, mas era possível aprender a viver com o HIV e, agora, essa peça apresenta mudanças de comportamento, cuidados e prevenções de um jeito profundo e até leve, que não lembra outras abordagens tão pesadas.”
Pâmio, lógico, assumiu a direção, e os atores José Pedro Peter e Rafael Primot protagonizam Um Pequeno Incidente, que estreia nesta sexta, 3, no Espaço de Convivência do Teatro Vivo, uma sala experimental para 46 pessoas no saguão da casa de espetáculos localizada no Morumbi.

Peter e Primot interpretam dois homens, na faixa dos 40 anos, que se encontram em um centro de atendimento público depois de realizar um teste rápido de HIV. Enquanto um é mais esclarecido, racional e bem resolvido, o outro vive assombrado por fantasmas e pela falta de informação. Como diz o título da peça, um pequeno incidente faz com que as suas vidas se embaralhem e tem início uma jornada de empatia e transformação da dupla a partir do resultado dos exames. “Se, em Fortaleza, a questão LGBTQIAP+ era abordada sob o ponto de vista da aceitação, agora a gente vai um pouco além no debate”, diz o dramaturgo e coprotagonista. “O que mostramos são dois homens adultos e quais são as consequências das escolhas em suas vidas.”
Mineiro de Juiz de Fora, José Pedro Peter, de 41 anos, não ostenta o perfil óbvio de um artista de teatro. Advogado de formação, com mestrado na área, ele sempre foi um espectador assíduo de espetáculos. Somente em 2019, morando no Rio de Janeiro, estreou no papel de tradutor de peças estrangeiras, como O Marido de Daniel, de Michael McKeever, na qual também produziu e atuou, e A Última Ata, de Tracy Lattes, dirigida por Victor Garcia Peralta em 2022.
“Acreditava que minha vocação era buscar textos e adaptá-los para o português, mas enxerguei a importâncias de contar as próprias histórias e imprimir as nossas vozes”, conta ele, que vive em São Paulo desde março. “Também quis escrever textos que pudesse criar papeis para o meu tamanho e deixar o ator crescer no tempo dele, sem ter que fazer personagens para os quais não estivesse preparado.”
Assim como Pâmio, Peter enxerga uma evolução no tratamento dramatúrgico dado à questão dos soropositivos e, mesmo que o preconceito em torno do vírus seja menor que na década de 1980, ainda são fortes os medos e até a ignorância sobre o assunto. “As gerações mais recentes abriram mão do preservativo ou mesmo impõem a ausência dele para consumar uma relação sexual e é preciso ficar atento porque, como ninguém mais se testa, muitos descobrem o HIV em um estágio avançado”, comenta o ator e dramaturgo, salientando que, segundo uma pesquisa no Ministério da Saúde, 30 pessoas morrem no Brasil por dia em decorrência da aids. “Por isso, precisamos derrubar estigmas e ampliar, com responsabilidade, o acesso às informações.”
“Não, não é realmente uma condenação de morte, mas as pessoas se recusam a enfrentar a realidade do HIV porque tem ecos de um passado e é disso que fala a nossa peça”, trata de completar Pâmio. Para o diretor, a escolha por uma condição de igualdade já se manifesta na própria encenação. Nos três atos da peça, os dois atores estarão sentados em meio à plateia na estrutura de cadeiras montada no Espaço de Convivência do Teatro Vivo.
Na primeira parte, Peter e Primot se encontram na sala de espera do laboratório, na segunda, os dois ocupam as cadeiras da reunião de um grupo de apoio e, no terceiro e ato final, participam de uma cerimônia. Nas três situações, o público se torna uma espécie de figurante, logicamente, sem interação alguma com os artistas. “Em A Herança, o meu personagem se misturava comigo porque testemunhei a morte de muita gente querida, agora a ideia é que estes homens interpretados por Peter e Primot se confundam com o espectador para mostrar que se convive com o HIV de um jeito normal e saudável.”
Serviço
Um Pequeno Incidente
Espaço de Convivência do Teatro Vivo. Avenida Doutor Chucri Zaidan, 2460
Sexta e sábado, 20h. Domingo, 18h. R$ 100
Até 7 de dezembro (estreia em 3 de outubro)
