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Uma linda história de amizade que atravessa os anos

Sinopse

Embalada por sanfona, triângulo e zabumba e pelos xotes e baiões de Gonzagão, a peça infantil “Procurando Luiz”, do grupo Cena Teatral, está há dez anos acumulando temporadas bem-sucedidas, como a que se inicia no Teatro Arthur Azevedo

Por Dib Carneiro Neto (publicada em 29 de agosto de 2025)

O que faz um espetáculo para crianças durar dez anos no repertório de um grupo e sempre conseguir novas temporadas como se fosse a primeira? Vários fatores, muitos segredos. Tem acontecido, por exemplo, com Procurando Luiz, do grupo Cena Teatral, que estreou em 2014 e entra em cartaz mais uma vez em São Paulo, durante todo o próximo mês, de graça, no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca. 

Concebido e idealizado por Roberto Haathner, com direção geral e musical de Gustavo Kurlat e texto de Paulo Rogério Lopes, é um belo espetáculo sobre a amizade. E sobre perdas. E sobre saudade. Toma como base a obra de ninguém menos do que Luiz Gonzaga, o Gonzagão. Tentando fugir só do óbvio, as escolhas de Kurlat recaíram também sobre o repertório menos conhecido do compositor e intérprete, como Roendo Unha (Luiz Ramalho e Luiz Gonzaga), Estrada de Canindé (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) e Eterno Cantador (Alemão e Elzo Augusto). O trio de atores (Haathner, Bruno Perillo e Luiza Torres) canta e toca instrumentos com desenvoltura e talento. Os três também garantem bons momentos de atuação, alternando graça e emoção.

Roberto Haathner e Bruno Perillo na peça Procurando Luiz. Foto João Caldas Fº

“Permanecer em cartaz por 10 anos (e espero completar os 20, 30…) é um ato de amor ao teatro e às artes, é respeitar o processo de evolução de um trabalho sério e de dedicação profunda”, declara Roberto Haathner, que pesquisou in loco a vida de Gonzagão. “Fiquei algumas semanas em Exu, Crato e no povoado do Araripe, em Pernambuco, conversando com amigos e familiares do Rei do Baião e só aí pude compreender a profundidade das letras desse músico incrível, que transmitem a emoção do povo do sertão nordestino para todo o mundo.”

Sobre a longevidade da peça, vejam o que diz Gustavo Kurlat: “⁠Acho que, se existe segredo, talvez seja o quanto a amizade verdadeira é algo que toca as pessoas; e, junto com isso, o quanto o universo do Nordeste, sem clichês mas com respeito e autenticidade, está presente na memória afetiva do público.” Mandou muito bem na resposta. O autor do texto, Paulo Rogério, concorda plenamente: “Falar da amizade e da sua potência de cura e felicidade, sem dúvida, é um dos temas mais bem-vindos e necessários, alimentando o afeto, a autoestima e nos definindo enquanto seres humanos. Lembremos que nesse período tivemos a perda da amizade presencial, em momentos tão delicados quanto as separações ditadas pela pandemia ou os provocados pela polarização política dos últimos tempos.” Muito bem lembrado.

Importante destacar também essa longevidade do ponto de vista dos intérpretes da peça. Bruno Perillo diz, com muita propriedade: “É muito raro ter o privilégio de explorar um mesmo personagem por tanto tempo. É muito rico para o ator. Cria-se uma leveza acompanhada por uma profundidade e um domínio só possíveis pelos anos de repetição. O teatro realmente só acontece na vivência plena dos atores no palco, porque, após 10 anos, poderíamos cair numa cristalização, mas a busca é sempre pelo contrário disso. Acho que ‘Procurando Luiz’ conseguiu essa façanha por uma conjuntura de elementos: a começar pelo universo vastíssimo de que ele fala, a nossa mitologia, a cultura nordestina; um texto muito bem escrito; uma direção preciosa, a música ao vivo, com o clássico trio sanfona, triângulo e zabumba; uma produção incansável para viabilizar temporadas e circulações sem fim, e muita vontade e talento do elenco (risos). E, olha, o título da peça é uma pérola! Procuramos Luiz há 10 anos e ainda estamos em sua busca!”

Luiza Torres, Roberto Haathner e Bruno Perillo na peça Procurando Luiz. Foto João Caldas Fº

Essa busca gera um manancial de boas emoções. É possível ficar horas ouvindo essa turma falar do tanto que já se emocionou em dez anos. Haathner começa: “Inúmeras foram as emoções, como receber dezenas de pessoas que nunca foram ao teatro e, no final, ganhar abraços apertados agradecendo pela oportunidade. Outra emoção é ler o livro de anotações e impressões que deixamos nos saguões dos teatros para o público se manifestar. Ler relatos de pessoas que se identificaram com o enredo do espetáculo (como a fuga do sertão para buscar melhores condições de vida, para não morrer de fome e sede) é sempre muito forte, revigorante e gratificante.”  Kurlat arremata brilhantemente essa ideia: “A emoção está justamente nos dez anos. Uma emoção suave e prolongada, que me mostra que nem tudo é descartável.”

Emoção de autor também costuma ter intensidades ímpares. Paulo Rogério Lopes confirma: “Uma das emoções mais importantes e prazerosas despertadas na trajetória desse espetáculo foi quando alguns amigos muito especiais assistiram e me cumprimentaram sem palavras, mas com olhares marejados e brilhantes, deixando a certeza de que o objetivo não só havia sido alcançado, mas surpreendido, não racionalmente, mas onde mais importa para a morada da amizade: afetivamente.” Lindo, não é? Perillo, por sua vez, lembra de outra força que inundou sua década de emoção: a força de Gonzagão. Ele diz: “A maior emoção é ver o quanto o universo poético do Gonzaga é fascinante. Percebemos isso a cada plateia, a cada apresentação, a cada roda de conversa, a cada oficina dada. E foram muitas e muitas! É uma alegria levar Luiz Gonzaga para as crianças do Brasil e mostrar como é poderosa a nossa cultura.”

Roberto Haathner na peça Procurando Luiz. Foto João Caldas Fº

Mas por que Gonzagão consegue ser atraente até para as crianças das novas gerações? Haathner sabe bem: ”Porque Gonzagão escreve verdades em forma de poesia musicada, que se transformam em brincadeira de criança.” O diretor musical tem também uma bela explicação. Diz Kurlat: “Pela minha experiência também como educador, o universo do Gonzagão aqui em São Paulo se faz bem presente nas escolas, nas festividades juninas e na compreensão de que o Brasil é bem mais do que o Sudeste. As escolas costumam trabalhar tudo isso com as crianças. Não tem como elas não conhecerem Asa Branca, por exemplo. Diga-se de passagem, ela não é cantada na peça, de propósito, justamente para ampliar esse repertório.”

“A simplicidade das letras e melodias do grande Lua é um enorme atalho para se falar de sentimentos tão caros e difíceis de serem expressados – ou até mesmo compartilhados”, acrescenta Paulo Rogério Lopes. “Creio que o Gonzagão é tão atraente para crianças por tratar justamente da matéria-prima que define – ou deveria definir – a infância: a pureza das vivências, o maravilhamento com o fantástico e o ímpeto de criar: seja uma história, um passo de dança ou uma memória ‘inventada’, o que, por conseguinte, também leva o adulto a se sentir tão vivo e disponível para ‘o sentir’.” Bruno Perillo complementa: “Ele atrai as crianças porque o contexto todo de sua obra cria uma mitologia, que é fascinante. A seca, a caatinga, os sertanejos, os cangaceiros, a vegetação da região, a asa branca, a sanfona, o som das canções típicas e tantas outras imagens que brilham no imaginário. É disso que falamos na peça e é isso que emociona as crianças. E os adultos também.”

Serviço

Procurando Luiz

Teatro Artur Azevedo – Av. Paes de Barros, 955. Telefone: (11) 2604-5558

Sábados e domingos, 16h. Grátis

Até 28 de setembro (estreia em 6 de setembro)

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Ficha Técnica

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Serviço

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