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“A Médica” usa medicina e religião para discutir identidade

Sinopse

Texto do britânico Robert Icke, em cartaz no Auditório do Masp, mostra como um incidente envolvendo ética médica e catolicismo se transforma em questão fora de controle

Por Ubiratan Brasil (publicada em 24 de junho de 2025)

O dramaturgo britânico Robert Icke tornou-se conhecido pelas releituras contemporâneas que faz de textos clássicos. Seu mérito está em atualizar e ampliar os principais dramas do original, criando uma peça nova com grande profundidade. É o caso de A Médica, em cartaz no Auditório do Masp, em São Paulo, criada a partir de Professor Bernhardi (1912), de Arthur Schnitzler.

No original, uma menina está morrendo em um quarto de hospital quando um padre católico quer entrar, mas o médico judeu da menina não permite. Para Schnitzler, os conflitos eram simples de delinear: medicina versus religião, católico versus judeu. Mas, no conceito de Icke, em um mundo cada vez mais polarizado, a questão da identidade é viva, multifacetada e infinitamente complexa. Ele mantém a premissa de Schnitzler, embora a reescreva sutilmente.

Sergio Mastropasqua e Clara Carvalho em A Médica. Foto Ronaldo Gutierrez

Agora, a Dra. Ruth Wolff é uma médica judia reconhecida que dirige um instituto especializado em pesquisas sobre o Alzheimer. Ela acaba se envolvendo em uma questão delicada ao impedir a entrada de um padre católico no quarto de uma adolescente que foi internada devido a um aborto mal realizado e que está prestes a morrer. A intenção do padre é aplicar a extrema-unção, mas a médica alega que a presença dele provocará tensão, ansiedade e pode até apressar o óbito da jovem. O incidente toma grandes proporções e repercute amplamente.

Em sua atualização, Icke acrescenta mais elementos dramáticos quando a discussão entre a médica e o padre é gravada e divulgada na internet. A protagonista começa a ser alvo de fortes reações por parte dos colegas do hospital, de grupos nas redes sociais e, por fim, seu caso chega à televisão. Como consequência, os primeiros patrocinadores ameaçam retirar o financiamento do instituto. A personagem se vê no centro de uma tempestade midiática e é confrontada em suas convicções.

Anderson Muller, César Mello e Adriana Lessa em outra cena de A Médica. Foto Ronaldo Gutierrez

“Ela é uma mulher muito segura de si, arrogante até, mas vai sofrendo com as consequências que se acumulam”, comenta Clara Carvalho, que interpreta a médica Ruth. “Icke nos aconselha a pensar sobre a ética médica com seu texto”, completa o diretor Nelson Baskerville, que já teve contato com o estilo do dramaturgo ao dirigir Mary Stuart, baseado em Friedrich Schiller. De fato, o britânico amplia o original para abordar não apenas religião, mas também raça, gênero e classe. Ele ainda acrescenta uma dissonância criativa ao escalar mulheres para interpretar papéis masculinos, atores negros para interpretar personagens brancos e vice-versa.

“É um discurso poderoso e totalmente contemporâneo“, comenta a atriz Adriana Lessa, que vive uma das integrantes da equipe médica. “A atitude dela pode ser considerada racista“, completa César Mello, intérprete de um dos médicos.

E o fato de a discussão sair de dentro do hospital para as redes sociais faz com que o caso não tenha mais um controle único. Também coloca em jogo a imagem que se constrói de cada personagem, mesmo à sua revelia. Com isso, a integridade da médica pode ser vista como teimosia por alguns ou correta para outros. “Ruth desencadeia uma série de discussões que envolvem a trama: fake news, racismo, antissemitismo, a questão de gênero, viralização nas redes sociais, haters. O texto passa por várias ramificações de assuntos que estão altamente em evidência”, comenta Clara.

Um dos momentos tensos de A Médica, de Robert Icke. Foto Ronaldo Gutierrez

Um dos maiores embates da personagem principal acontece com o neurocirurgião Roger Hardiman, vivido por Sergio Mastropasqua. “Ele é um ótimo profissional, porém é um mau caráter, altamente traiçoeiro. Nesta peça, o dramaturgo embaralha tudo, é um panorama complexo, onde o público forma o seu juízo e vai acabar tomando suas posições”, diz o ator.

Com idealização da pesquisadora Rosalie Rahal Haddad, realização do Círculo de Atores e produção da SM Arte Cultura, a peça tem ainda no elenco Anderson Muller, Cella Azevedo, Chris Couto, Isabella Lemos, Kiko Marques, Luisa Silva e Thalles Cabral.

Serviço

A Médica

Auditório do Masp. Avenida Paulista, 1578

Sextas e sábados, 20h. Domingos, 18h. R$ 80 (sextas) e R$ 100 (sábados e domingos)

Até 24 de agosto (estreou 20 de junho)

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Ficha Técnica

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Serviço

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