A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

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A INCRIVEL VIAGEM DO QUINTAL

Os 10 melhores infantis de 2024 no teatro paulistano

Sinopse

Foi um ano fértil, diversificado e brilhante nos palcos de teatro para crianças em São Paulo, o que enche de esperança um setor das artes cênicas que ainda sofre com preconceitos e discriminações. Na lista, em ordem alfabética, aparecem 10 destaques que se sobressaíram pela delicadeza, força temática e criatividade

Por Dib Carneiro Neto

ACORDA!
Foi uma farra fantasiosa muito bem orquestrada, usando como mote a tristeza de um prédio inabitado. Um espetáculo que nos acordava para a importância de se preservar memórias e humanizar cidades. “Uma cidade, para sonhar, precisa estar bem acordada. É a lógica oposta dos humanos, que dormem para sonhar.”  Com essa premissa, deu muito certo aproveitar as janelas da imponente sede de uma ex-agência bancária no calçadão do velho centro paulistano, hoje abrigando o CCBB-SP. Acorda! ficará para sempre na história dos orgulhos artísticos da instituição. Bonecos infláveis gigantes fizeram a alegria das plateias ao ar livre, com dramaturgia esperta de Bobby Baq e Grupo Esparrama e direção de Iarlei Rangel

Cena de Acorda!, com o Grupo Esparrama. Foto Sissy Eiko

A HISTÓRIA SEM FIM
Peça baseada em livro do alemão Michael Ende, que virou filme antológico por Wolfgang Petersen. Na direção de Carla Candiotto, não houve espaço para o desleixo, para a displicência. Cada entrada dos atores, cada início de cena, nos arrebatava. Havia um cuidado raro em ritualizar cada passo, cada despontar de um novo personagem. As composições cênicas, por assim dizer, foram muito bem pensadas e tramadas por uma equipe afinadíssima em fazer o conjunto funcionar: luz, figurino, direção de movimento, cenografia, trilha, elenco. Os conjuntos estéticos que caracterizavam cena a cena engrandeciam a narrativa, num crescendo ininterrupto que nos tirou o fôlego.  

Cena do espetáculo A História Sem Fim. Foto Ayrton Vignola / Fiesp

A INCRÍVEL VIAGEM DO QUINTAL
Quando um sucesso da TV vai parar no palco com os ganhos extras de uma boa dramaturgia. Assim avaliei A Incrível Viagem do Quintal, que celebrou um acerto da televisão educativa no Brasil, ao mesmo tempo resgatando a eficiência e a ingenuidade das formas consagradas de se fazer teatro didático para crianças. Vibro quando vejo um espetáculo que opta pelo persistente caminho didático e o faz de forma competente, sem ser chato, sem dedo em riste, sem tom professoral, com muita diversão e criatividade. Assim foi a versão teatral do programa televisivo Quintal da Cultura, com um time de primeiro nível, da produção até a equipe de operação técnica, com direção geral de Bete Rodrigues e dramaturgia de Fernanda Maia. O espetáculo foi uma atração potente em 2024, que demonstrou no palco todos os avanços que o teatro infantojuvenil alcançou no Brasil nas últimas décadas – avanços técnicos, temáticos e de linguagem. 

Elenco de A Incrível Viagem do Quintal. Foto Caio Gallucci

A MENINA DO CANDEEIRO
Para proporcionar uma conexão das crianças brancas com as histórias das culturas pretas, tão asfixiadas e invisibilizadas nas escolas, a Cia. EmbarcAções Teatrais encenou A Menina do Candeeiro com a força criativa de um jogo musical brincalhão e poético. Idealizado, dirigido, escrito (a partir de seu próprio livro) e interpretado por Cecília Schucman (ao lado de Rosana Araújo e Ericka Leal), o espetáculo transformou a jornada da menina protagonista em uma viagem magnética para a plateia de todas as idades, apoiando-se em recursos e linguagens da mais pura criatividade e encanto, como boa música, bonecos eloquentes, momentos de teatro de sombras, interpretações comoventes, poético desenho de luz, cenografia inteligente e, sobretudo, um ritmo agradável e fluente. A ideia era apresentar às crianças de classes ditas dominantes outras culturas, muitas vezes escanteadas de seu universo por adultos preconceituosos e pouco afeitos a aceitar diferenças e diversidades. Deu muito certo. Candeeiro, lamparina, lanterna… Metáforas para a luz que vive em cada criança. Como uma chama da esperança. 

Ericka Leal em cena da peça A Menina do Candeeiro. Foto Fernanda Procópio

AZUL
A companhia Artesanal – com 28 anos na estrada, incluindo incursões internacionais – tem um tesouro nas mãos. Um espetáculo todo correto, brilhante, comovente. Do início ao fim. Várias foram as escolhas acertadas da encenação. A dupla de diretores, Henrique Gonçalves e Gustavo Bicalho, foi feliz na delicadeza de lidar com um tema que exige cuidados. Azul, o menino protagonista, nasce com TEA, transtorno do espectro autista. Muita pesquisa levou a esse resultado tão eficiente na dramaturgia, compartilhada entre Gustavo Bicalho e Andrea Batitucci. Azul poderia ser sobre autismo ou sobre qualquer outra questão. Porque a equipe criativa da peça achou a chave. A chave dificílima de ser encontrada e, quando achada, dificílima de ser posta em cena de forma tão talentosa e potente. Para além de autismo, eles estão ali falando de como fazer nascer o afeto dentro de nós. Estão falando de como uma irmãzinha constrói seu amor pelo irmão mais novo, pedrinha por pedrinha, birra por birra, passeio por passeio, canção por canção. Isso faz um espetáculo ser eterno, universal, abrangente. Escolhe-se um tema, mas esse tema ilustra algo que é muito maior do que ele – e que vai fisgar cada um de nós da plateia de um jeito diferente e sempre profundo. Porque há consistência na abordagem, há um caminho correto de construção dessa jornada de autoconhecimento. Bravo!

Cena do espetáculo Azul, da Artesanal Cia. de Teatro. Foto Christina Amaral

JOANA E O PRÍNCIPE SILENCIOSO
Que brilhante encenação. Que multiplicidade de narrativas interpostas, lançadas ao público em um só espetáculo, dinâmico, fluente, criativo. Um tributo de As Meninas do Conto, com quase 30 anos de trajetória, à ancestralidade contida na arte de contar e recontar. Tem a história da dupla de narradoras (Simone Grande e Helena Castro), e tem a história que elas começam a contar, e tem a história dentro da história, e tem mais três histórias dentro dessa outra história, e tem mais isso e tem mais aquilo… um intrincado quebra-cabeças narrativo! Talvez nunca As Meninas do Conto tenham sido tanto As Meninas do Conto. É um espetáculo que, além de todas as histórias e suas inúmeras camadas narrativas, traz também a camada que talvez, para quem as acompanhou desde o início, seja a mais emocionante: a camada da história do próprio grupo, tudo o que o grupo representa, tudo o que construiu, tudo o que aprendeu a fazer de melhor. Joana e o Príncipe Silencioso, mais do que encadear história por história, é tijolo por tijolo erigindo para a plateia toda a grandiosidade concreta de uma trajetória sólida.

Cena de Joana e O Príncipe Silencioso. Foto Beto Amorim

MEMORÁVEL – HISTÓRIAS NOTÁVEIS
Viagens dos Palhaços Sem Fronteiras inspiram espetáculo encantador. Com direção de Cristiane Paoli-Quito, a peça arrebatou pela força das histórias humanistas, que escancaram para a plateia – com delicadeza, humor e poesia – a importância de um projeto que leva arte a populações machucadas. No Brasil desde 2016, a organização internacional Palhaço Sem Fronteiras (Clowns Without Borders) existe para levar espetáculos a crianças em situações de vulnerabilidade socioeconômica, crises climáticas e estados de violência. Esta é a pergunta que resume todas as intenções do espetáculo: “Como viemos parar aqui?” Eram as respostas para essa pergunta-síntese, feita assim logo de saída, que alinhavavam história por história, viagem por viagem, ao longo do espetáculo. Uma pérola de palhaçaria que sabiamente evitou pieguices derramadas, potencializando a força da narrativa. Como se ouve no texto da própria peça, na história que se passa no México, vendo esse Memorável, numa manhã de domingo invernal paulistano, “meu coração voou”.

Cena de Memorável – Histórias Notáveis. Foto Mariana Rodrigues

MUNDO SUASSUNA
Marcelo Romagnoli mais uma vez domina o seu ofício.  Escolheu um tema, um universo, uma jornada de herói, um regionalismo, um Brasil profundo, uma prosa, e seguiu firme no retrato aguçado do coração e da mente do “inventor metafísico e palhaço tresmalhado” Ariano Suassuna (1927-2014) e suas pedras, e seus reinos. A potência mais primitiva da linguagem circense marca presença de forma renovadora e esperançosa. Romagnoli criou três figuras em cena que condensam em si tudo o que está sugerido no título do espetáculo. Fabio Espósito, Guryva Portela e Henrique Stroeter emprestam seus talentos incomuns para essa verdadeira missão de homenagear a obra do arretado paraibano. Os três “encantam” nada menos do que 12 personagens, de pícaros hilários a ingênuos palhaços, de habilidosos mamulengueiros a comoventes trovadores, dos bufões à Commedia Dell’Arte – e tudo isso junto e misturado, numa alquimia de pura empolgação.

Cena de Mundo Suassuna. Foto Andressa Costa

O SAPATEIRO RUÇO
O espetáculo, um monólogo concebido e dirigido por Cássio Brasil, se mostrou bastante fora da curva quando comparado com o grosso das produções de censura livre. Refinamento estético, temática inusual, abordagem realista. Como é bom que as crianças também possam ter acesso a tudo isso, para entender desde cedo o alcance ilimitado da linguagem cênica, para muito além do maniqueísmo de fadas e bruxas. Magnificamente bem interpretado por Carlos Escher, o texto – apoiado em conto de Tchekhov – pintou sem edulcorações as tintas da desigualdade social e do rancor que o personagem sentia por ser pobretão, quase miserável, indignado com as regalias dos ricos. Inveja e raiva fazendo parte de uma trama não maniqueísta, em que o personagem até era desprezível em alguns momentos – isso é muito valioso em peça para crianças, pois muita gente ainda acha que teatro infantil deve apenas ser colorido, leve e fantasioso.

Carlos Escher no monólogo O Sapateiro Ruço. Foto Alicia Peres

PEPÉ E CARMELA
É apenas um menino na rua querendo ser palhaço – com esse mote, a Cia. Paideia – com texto de Amauri Falseti – pôs em cena mais uma vez – e com o mesmo encantamento – o personagem Pepé, criança em situação de rua, com dificuldades para ‘atuar’ na faixa de pedestres de um farol na cidade grande. Em um terreno abandonado, o menino “pratica” suas ansiedades e seus anseios, suas realidades e seus sonhos. Um personagem forte, bem construído, que fica diante de nós se balançando o tempo todo na cruel gangorra que, de um lado, tem a infância latente, querendo brincar e brincar e brincar – e, do outro lado, o peso da maturidade precoce, que lhe obriga a duvidar da esperança. E a personagem Carmela representa a solidariedade em forma de arte, o amor em ritmo de brincadeira, a liberdade oferecida em abraço. Em essência, a peça é a história do crescimento de uma amizade – e como isso e lindo!

Cena de Pepé e Carmela. Foto Cia. Paideia

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Ficha Técnica

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Serviço

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