‘A Borboleta Sem Asas’, com o grupo Trapiche, em cartaz de graça em São Paulo em novembro, é a terceira montagem de um texto cuidadoso e delicado, que procura mostrar às crianças a realidade dos deficientes físicos
Por Dib Carneiro Neto
É notável e poucos conseguem. Uma peça para crianças que já teve duas montagens diferentes, desde que estreou em 1996, além de ter sido adaptada para o meio audiovisual e apresentada na TV Rá Tim Bum. Agora, chega à sua terceira versão, que foi atualizada em 2019, ganhando a direção artística de Bebel Ribeiro e Paula Flaibann. Borboleta Sem Asas ocupará o Teatro Alfredo Mesquita, em Santana, de 2 a 24 de novembro. Grátis. Uma boa chance de ver um texto contemporâneo bem-sucedido e que fala de um tema bastante delicado: deficiência física.
A obra de César Cavelagna é uma realização do Grupo Trapiche e tem dramaturgia de Marcos Ferraz, músicas de Marcos Okura, Ricardo Brunelli e Vinícius Loyola, direção musical de Vinícius Loyola e cenário e figurinos de Juliana Sanches e Felipe Cruz. Um elenco de sete artistas dá conta de nos apresentar Babi, justamente uma borboleta que nasceu sem asas e logo foi maltratada por causa de sua deficiência. Em sua jornada de vida, Babi recebe ajuda de alguns amigos insetos, como a abelha Abel, o caramujo Magnólio e o vagalume Lamparino, entre outros, cada um também com sua particularidade.
A seguir, com exclusividade para o Canal Teatro MF, seis artistas da equipe criativa de A Borboleta Sem Asas contaram um pouco sobre seus trabalhos específicos neste musical de carreira tão sólida. Confiram.
DRAMATURGIA DE MARCOS FERRAZ:
Conte-nos os cuidados que você teve ao escrever sobre o tema das deficiências físicas, para que a peça pudesse contribuir na questão do preconceito e do combate ao politicamente incorreto?
Ao escrever a Borboleta Sem Asas, eu tive a preocupação de criar uma narrativa que abordasse o tema com sensibilidade e respeito. Foi fundamental, desde o início, evitar estereótipos, apresentando personagens complexos e autênticos, cujas limitações físicas não os definiam, mas faziam parte de quem eram. Eu também cuidei para que a história fosse acessível ao público infantil, utilizando uma linguagem simples, mas não simplória, capaz de provocar reflexão sem recorrer a situações piedosas. Outro ponto importante foi o desenvolvimento de uma trama divertida e empolgante, que inspirasse a empatia de forma natural, sem forçar lições explícitas. Os personagens com deficiência foram integrados de maneira a mostrar suas habilidades e personalidades de forma natural, sem que precisassem se “provar” para os outros. Houve ainda o cuidado com o uso de palavras e expressões, evitando termos pejorativos ou que sugerissem que a deficiência tornava o personagem menos capaz ou dependente. A peça foi estruturada para promover a inclusão, a compreensão e o respeito às diferenças, oferecendo às crianças uma oportunidade de refletir sobre o tema de forma leve e positiva.
SUPERVISÃO GERAL DE MARCOS OKURA:
Você vem da versão original. Por que acha que a peça não envelheceu e qual a importância dela ainda hoje? Ficou ainda mais necessária do que antes?
Na época em que criamos a nossa primeira versão de A Borboleta Sem Asas, em 1996, para o teatro, quase não se falava sobre o assunto da pessoa com deficiência. Na verdade, era um assunto muito difícil de se abordar, principalmente quando era para o público infantil. Em 2002, quando conseguimos realizar a nossa primeira grande produção no TBC, o assunto já era abordado com mais conhecimento, principalmente por causa do Teleton da AACD que acontecia desde 1998 no Brasil. Com o sucesso da produção do musical, na época, foi mais fácil entender, principalmente pelo grande público e pelos críticos e jornalistas que acompanharam nossa trajetória, se estávamos no caminho certo. A chegada da internet facilitou a pesquisa sobre o tema e, em 2006, com a produção da TV Cultura para o especial Teatro Rá Tim Bum, tivemos a certeza de que a abordagem era acertada, até porque alcançamos um público inimaginável pelo Brasil. Com a atual produção, mais de 20 anos após a sua criação, entendemos que o assunto é cada vez mais importante em ser abordado. Amadurecemos como artistas e como pessoas formadoras. E vimos o quanto o espetáculo ainda é atual e o quanto ele é necessário para as novas gerações que vem surgindo. Precisamos conscientizar as pessoas sobre como lidar com as diferenças.
DIREÇÃO ARTÍSTICA DE PAULA FLAIBANN:
Paula, quais os pedidos que você fez ao elenco no sentido de que a montagem não ficasse estereotipada, infantilóide e rançosa, e pudesse atrair as crianças de hoje?
Os atores sempre devem reagir de forma natural as provocações que recebem dentro da cena. Essa indicação traz espontaneidade para os atores em suas ações. O que cria uma identificação e aproximação imediata do público.
DIREÇÃO ARTÍSTICA DE BEBEL RIBEIRO:
Bebel, conte um pouco sobre a linha de direção escolhida e a integração das diretoras com a dramaturgia da peça.
Dirigir A Borboleta Sem Asas foi uma experiência incrível, especialmente por compartilhar a direção com Paula Flaibann, com quem já havia trabalhado como atriz. Essa conexão pré-existente facilitou muito a colaboração. Dividimos as responsabilidades de maneira orgânica, sem um planejamento rígido, permitindo que cada uma de nós trouxesse suas forças para o projeto. Tivemos grande liberdade para mexer no texto, trabalhando em estreita colaboração com o autor, Marcos Ferraz, e com Marcos Okura, um dos diretores de primeira versão. Isso nos permitiu atualizar a obra e criar uma conexão mais forte com o espectador. Dentro de todo o trabalho que foi executado, nosso foco principal foi garantir que a diversão estivesse presente, tanto para os atores quanto para a plateia. Acreditamos que se os atores estão se divertindo, essa energia contagia o público, criando uma atmosfera mágica. A dinâmica leve e alegre foi fundamental para o sucesso do espetáculo.
DIREÇÃO MUSICAL DE VINÍCIUS LOYOLA:
Qual o valor para as crianças de ter na trilha canções de ritmos tão variados?
Sempre acreditei no poder transformador e comunicador da música para o público infantil. Eles saem cantando tudo e falando o nome dos personagens. Em A Borboleta sem Asas, pensamos em diversificar os ritmos musicais para mostrar que através deles temos um Brasil rico em musicalidade. Temos axé music, Pop, Tango, Eletrônico que remete aos anos 80, além da canção tema Não tenho asas pra voar com cara de musical da Disney. O Brasil é essa mistura de muita coisa e com bom humor trouxemos isso para a música. Tenho muito orgulho desse trabalho!
CENÁRIO E FIGURINOS DE JULIANA SANCHES:
Conte um pouco sobre seu trabalho e o do Felipe Cruz no sentido de fazer o tema da peça estar também presente no cenário e nos figurinos.
A Direção de Arte do espetáculo buscou apropriar-se dos temas discutidos no espetáculo para a criação de figurinos e cenário que somassem na experiência teatral. Existe uma dramaturgia material, figurinos que, a partir de materiais e símbolos, comunicam em comunhão com texto, interpretação e direção do espetáculo. Buscamos pensar a diversidade por diversos caminhos (materiais, expressões culturais, modelagens), podendo contribuir no desenvolvimento da história. A dualidade entre escola e jardim, crianças e insetos, real e imaginado norteou as escolhas e transformações dos elementos em cena. Foi um trabalho muito desafiador e prazeroso poder contribuir com um espetáculo que trata do tema da diversidade com tanta sensibilidade e delicadeza.
Serviço
A Borboleta Sem Asas
Teatro Alfredo Mesquita. Av. Santos Dumont, 1770 – Santana. Telefone: (11) 2221-3657
Sábados e Domingos, 16h
Entrada gratuita: retirada de ingressos na bilheteria com uma hora de antecedência
Até 24 de novembro (estreia 2 de novembro)