A encenação de Helena Ignez para o texto de Nelson Rodrigues evidencia o embate entre memória, alucinação e realidade, questionando os dilemas contemporâneos
Por Redação Canal Teatro MF
A primeira montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, no ano de 1943, pelo grupo carioca Os Comediantes, com encenação do diretor polonês Ziembinsky, deixou marcas para o teatro brasileiro. As mais notórias conquistas da modernidade cênica estavam ali, na cenografia e na iluminação, que jogavam com a dramaturgia inovadora para a época. O texto, em uma transição temporal entre alucinação, memória e realidade, acompanha as irmãs protagonistas Alaíde e Lúcia, permeadas pela voz de Madame Clessi.
Passados oitenta anos, ganha-se uma nova adaptação, que entrelaça teatro e cinema, sob a direção de Helena Ignez, em cartaz no Sesc Consolação, e com um trio de atrizes a frente da montagem: Lucélia Santos, Djin Sganzerla e Simone Spoladore.

Se Lucélia, aos quinze anos no início da carreira, participou de uma montagem no papel de uma das irmãs, agora é a vez dela representar Madame Clessi. Lucélia é hoje uma das atrizes que mais fez obras de Nelson Rodrigues, tanto no cinema quanto no teatro.
É através desta personagem, vítima de feminicídio, que a direção quer dar o recado, do ponto de vista social. Helena orquestra uma encenação que respeita cada detalhe da obra original, sem perder de vista a modernidade e a urgência das questões abordadas.
“Em nenhum momento Nelson se refere a ela como prostituta. Madame Clessy é uma mulher de vida livre, que acusam de orgias. Não é uma prostituta. Ela tem um amante, um desembargador que a conhece desde menina. Ela teve um filho e é apaixonada por um jovem de dezessete anos. Clessy é uma ingênua e o jovem, um assassino, que a mata. É um feminicídio. O que me interessa mostrar, agora, em Vestido de Noiva é esse feminicídio e o esterismo e a loucura dessa família tradicional e burguesa. Clessy é uma figura antiga, que Nelson situa no começo do século XX e eu a trago para hoje. Uma mulher vítima da incompreensão e da inveja da sociedade, uma mulher vítima do feminicídio”, conclama a diretora.

Se hoje o dramaturgo é bastante criticado por conta da questão da submissão da mulher ao homem em seus textos, levando em consideração o contexto em que a peça foi escrita, essa nova montagem, na qual a equipe é predominantemente feminina, quer dialogar com o tempo presente, e por isso o intuito de jogar luz a essa personagem. A peça-filme oferece uma releitura contemporânea que preserva o caráter provocador do texto original.
O conflito entre as duas irmãs e suas escolhas trágicas alcança novos contornos em um cenário de redes sociais e vaidades infinitas, retratando o reflexo da sociedade contemporânea, onde as linguagens e interações humanas são moldadas pelas transformações tecnológicas e mudanças de paradigmas.
Serviço
Vestido de Noiva
Sesc Consolação. Teatro Anchieta. Rua Dr. Vila Nova, 245. Telefone: (11) 3234-3000
Sextas e Sábados, 20h. Domingos e feriados, 18h (não haverá sessão em 20/11). R$70
Até 8 de dezembro (estreou em 25 de outubro)
