“Uma Boneca para Menitinha”, com elenco vindo de três grupos diferentes, ocupa até dezembro o Sesc Consolação com o objetivo de celebrar com as crianças a força de nossas raízes e o valor da identidade
Por Dib Carneiro Neto
O tema da ancestralidade felizmente tem sido comum no teatro para crianças. Saber de onde viemos. Ensinar desde cedo às crianças o valor de nossas origens. A força de uma raiz. Isso tudo é o que está presente, com muita força, no espetáculo infantil Uma Boneca para Menitinha, que fica até quase o Natal em cartaz no Sesc Consolação, sempre aos sábados, às 11 horas.
A avó de uma menina negra tem um sonho antigo: dar à neta uma boneca de porcelana, pois para ela isso é presente de gente rica e poder presentar a menina será motivo de muito orgulho, já que sua vida sempre foi simples e batalhadora. Avó e neta precisam o tempo todo cultivar o amor e os laços afetivos, para vencerem as constantes barreiras do racismo estrutural neste nosso país.
A peça é inspirada num livro premiado de Penélope Martins e Tiago de Melo Andrade, vencedor do Prêmio Biblioteca Nacional em 2022 e incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2024. É a nossa melhor literatura contemporânea ganhando cada vez mais os palcos para crianças, o que sempre é motivo de celebração. O casamento de livro com teatro precisa ser estimulado e prestigiado. A transposição, bem como a direção artística, foram de responsabilidade de Suzana Aragão (integrante dos Doutores da Alegria).
“Busquei no dramaturgismo ressaltar as relações simples e afetuosas dentro de uma família”, conta Suzana. “Quis perseguir a poesia de uma compreensão amorosa sobre a vida e a terra, onde se planta e se colhe, onde se pede algo para o universo e a natureza se encarrega de nos oferecer quase que por milagre. Também valorizei o tema central: nossa finitude, o tempo de existência, o fechamento dos ciclos. E o poder da ancestralidade é trazido na peça pelos bonecos, num clima mágico, encantado e onírico.”
A composição do elenco pratica uma das lições da peça: a diversidade. Geni Cavalcante é integrante do Núcleo Caboclinhas, João Invenção é do grupo musical Madeira Matula e do Clã-Estúdios das Artes Cômicas e Mawusi Tulani é do Teatro da Vertigem. Cada um veio de um grupo diferente. “Um elenco muito interessante e de diversas experiências”, atesta a diretora. “A troca entre nós e a construção das cenas passaram muito pelo entendimento do dramaturgismo. Estudamos e experimentamos.”
E como o fato de Suzana vir dos Doutores da Alegria ajudou em seu trabalho de direção? Ela diz: “A palhaçaria é meu amuleto, ela me acompanha todo dia na sala de ensaio e me ajuda a encontrar as brechas cômicas. Foi assim com a atriz Mawusi Tulani, que faz a Menitinha buscando os exageros, pelo viés do olhar da criança que descobre o mundo. Os bonecos no ambiente onírico também apresentam certa dose de graça, além do lirismo”.
Como não poderia deixar de ser, a música tem peso fundamental na montagem, com direção musical de Renato Gama. A relação dele com Suzana foi, segundo ela, “de sincronicidade e convergência, em uma sala de ensaio com livre criatividade para o brotar e nascer das canções. Renato foi um criador extremamente presente, com uma escuta atenta e aberta. Ele esteve do começo ao fim do processo, totalmente integrado ao que a cena pedia, ao que os atores ofereciam. Foi realmente um presente para o processo contar com um artista dessa magnitude e disposição, apesar de sua agenda agitada”.
No programa da peça, Renato Gama corrobora essa harmonia de criação. Ele escreve: “Criar a parte musical de um espetáculo tão sensível me fez refletir sobre os caminhos da direção musical, principalmente em peças infantis. Em Menitinha, ficou evidente a delicadeza da direção artística, que deu várias possibilidades para a criação de melodias e trouxe frescor para a soma da música com a encenação. As trocas possibilitaram a construção sonora que levará o espectador a cantar com o seu inconsciente. Um processo de criação em que a liberdade e a confiança proporcionaram um território fértil para que a criatividade pudesse dançar solta em nossas cabeças na sala de ensaio”” Agora, essa “dança solta” a que ele se refere com certeza saltará facilmente para a sala do teatro, em uma temporada que promete ser luminosa. Vamos?
Serviço
Uma Boneca para Menitinha
Sesc Consolação – Teatro Anchieta. Rua Doutor Vila Nova, 245. Tel.: (11) 3234-3000
Sábados, 11h. R$ 40
Até 14 de dezembro (estreia 19 de outubro)
