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“A Conquista da Peste” questiona relações humanas contemporâneas

Sinopse

Inspirado na obra de Antonin Artaud, diretor e autor Evaldo Mocarzel busca, com a peça, discutir e fustigar a sociedade atual, exacerbada pelas plataformas digitais e pelas redes sociais

Por Ubiratan Brasil

O jornalista e documentarista Evaldo Mocarzel sempre teve também especial apreço pela arte teatral. Com um currículo em que ostenta passagem pela grande imprensa (foi editor do Caderno 2, suplemento cultural do jornal O Estado de S.Paulo, ao qual conferiu um formato que o tornou único no jornalismo brasileiro) e premiações no cinema (o documentário Quebradeiras lhe rendeu o Candango de Melhor Diretor no Festival de Brasília em 2009), Mocarzel assinou o texto da peça Um Pai Puzzle, encenada por Ana Beatriz Nogueira, sob a direção de Vera Holtz e Guilherme Leme Garcia, e, ao lado de Ítala Nandi, a dramaturgia de Paixão Viva, solo que também dirigiu e que retomará em 2025.

Agora, depois de estudar detalhadamente a obra de Antonin Artaud (1896-1948), ele escreveu e dirige A Conquista da Peste, peça que estreia no Auditório do Sesc Pinheiros, em São Paulo, com os atores Sergio Siviero e Tânia Granussi. Ambientado em um futuro distante, um personagem chamado Antonio (Siviero) oferece o seu corpo em sacrifício para, além de resgatar o pensamento de Artaud, discutir temas que vão dos algoritmos mercantilistas à devastação ambiental, passando pela derrocada do machismo bélico e genocida. Ele participa de um reality show com uma performance ambientada em um macabro teatro de variedades, auxiliado por Phedra (Granussi), uma espécie de anjo da morte.

Tânia Granussi e Sergio Siviero em A Conquista da Peste. Foto Kim Leekyung

“Tratamos de questões emergenciais de gênero e diversidade sexual, tendo uma personagem trans (Tânia), que comanda e subverte as convenções do próprio espetáculo, que é uma espécie de rito de imolação da figura masculina”, diz o autor e diretor.

Artaud revolucionou concepções e práticas do teatro, especialmente em uma época (fim do século XIX e início do XX), durante a qual nasceu o conceito de “modernidade”, em que as artes são tomadas por subversões radicais. E Artaud teve papel fundamental nessa transição, especialmente no questionamento da racionalidade da civilização, colocando em discussão não apenas a ordem social e seus valores e instituições, mas a relação entre a linguagem e as coisas.

Assim, em seus estudos, Mocarzel leu diversas obras essenciais, como O Teatro e Seu Duplo e Linguagem e Vida (ambos de Artaud, lançados pela editora Perspectiva); Antonin Artaud – Works on Paper (The Museum of Modern Art, Nova York); Eis Antonin Artaud, de Florence de Mèredieu (Perspectiva); Artaud – Pensamento e Corpo, de Kuniichi Uno, e Artaud o Momo, de Artaud (ambos lançados pela N-1 edições), e ainda Oeuvres Complètes – Antonin Artaud, edição da francesa Gallimard.

Tânia Granussi e Sergio Siviero em A Conquista da Peste. Foto Kim Leekyung

“Meu objetivo jamais foi fazer uma peça biográfica sobre Artaud, pois Rubens Corrêa e Ivan Albuquerque já haviam encenado um memorável espetáculo (Os Inumeráveis Momentos do Ser) no Teatro Ipanema, no Rio, em 1986, que vi três vezes. A Conquista da Peste foi escrita há anos e já começava com um personagem tirando do rosto uma máscara cirúrgica. Foi talvez o vaticínio do horror que iríamos viver em 2020, com a pandemia. Sempre tive em mente discutir e também fustigar a sociedade contemporânea, exacerbada pelas plataformas digitais e pelas redes sociais, intercalando esta minha inquietação, mesclada a uma certa indignação, com trechos do pensamento e da obra de Artaud“, explica o dramaturgo.

A inquietação artística de Artaud e a forma como ele transformou isso em ação inspiraram o trabalho de Mocarzel. “Inconformado com a verborragia histriônica das vedetes da cena francesa da época em que viveu, Artaud aproximou o teatro de vários ‘duplos’, como a crueldade, a alquimia e a peste, com o firme propósito de levar a explosão da própria vida aos palcos, deixando o espectador com as vísceras reviradas, como se tivesse passado por uma blitz da polícia. Este era o estado mental que ele desejava para o público ao final de cada apresentação”, lembra.

Sergio Siviero e Tânia Granussi em A Conquista da Peste. Foto Kim Leekyung

E a presença de Sergio Siviero no elenco é a concretização de um desejo que nasceu quando Mocarzel registrou em documentários o trabalho do Teatro da Vertigem. “Sempre foi um ator que me fascinou nos arriscados espetáculos do coletivo. Além disso, ele tem uma relação visceral com Artaud. Foi à França conhecer as locações onde o artista havia transitado, incluindo o hospital psiquiátrico onde levou dezenas de choques elétricos e de onde partiu para se imortalizar como um dos nomes mais importantes da cena mundial de todos os tempos.”

Indicada pelo dramaturgo Newton Moreno, Tânia Granussi prevê muitas catarses para quem assistir à montagem. Desde que imaginou a concepção do espetáculo, Evaldo desejava que a personagem Phedra de Córdoba fosse encarnada por uma atriz trans. “O texto não traz diretamente a discussão de gênero, mas potencializa o jogo da interpretação com uma presença trans em cena – o verdadeiro corpo desprovido de convenções – ou, como diz Artaud, ‘vamos dar às coisas a forma da nossa vontade’. E é este ser transicionado que conduz a grande experiência da cena. Trabalhamos o esvaziamento de tudo o que pesa. Renunciamos todas as âncoras e nos tornamos corpos sem órgãos. Vamos desatar. Quero que o público acesse esse lugar de reflexão“, torce Tânia. “Afinal, como dizia Artaud, uma palavra dita em um momento preciso pode enlouquecer uma pessoa”, completa Siviero.

Serviço

A Conquista da Peste

Sesc Pinheiros – Auditório. Rua Paes Leme, 195 

Quinta a sábado, 20h. Feriados, 18h. R$ 50

Até 12 de outubro (estreia 19 de setembro)

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Ficha Técnica

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Serviço

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