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Grupo 59 relembra dois sucessos recentes de sua carreira

Sinopse

“Um Dia, Um Rio”, com direção de Fabiano Lodi, sobre o desastre ambiental em Mariana, e “Histórias de Alexandre”, com direção de Cristiane Paoli Quito a partir da obra de Graciliano Ramos, terão ingressos gratuitos

Por Dib Carneiro Neto

Um fim de semana inteiro para celebrar dois grandes sucessos do premiado Grupo 59 de Teatro. Um espetáculo vespertino, Um Dia, Um Rio, com direção de Fabiano Lodi, e outro noturno, Histórias de Alexandre, com direção de Cristiane Paoli Quito. Dois resgates importantes, duas maravilhas cênicas que já brilharam em suas temporadas originais, ganhando prêmios e o calor de crítica e público. Agora voltam no mesmo fim de semana, com ingressos gratuitos, no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca. São duas atrações imperdíveis, com toda certeza. 

Um Dia, Um Rio é um poema cênico para a morte de um rio. Ao encenar a tragédia ambiental na Bacia do Rio Doce, ocorrida em 2015, o Grupo 59 pratica com maestria aquela que deveria ser a principal lei no teatro para crianças: tristeza pode, mas desde que haja esperança. O diretor convidado, Fabiano Lodi, nos conta como avalia a trajetória da peça até aqui. Ele diz: “Toda a nossa equipe tem percebido que se trata de um espetáculo cativante. Frequentemente somos presenteados com abordagens carinhosas do público, durante e após as sessões. Isso se estende também às redes sociais e à crítica especializada em teatro”.

Cena de Um Dia, Um Rio. Foto Pri Fiotti

O espetáculo recebeu o Prêmio APCA de 2023 de Melhor Adaptação para Teatro infantojuvenil, além de 3 indicações ao Troféu Caneca Pecinha é a Vovozinha. “Isso tudo somado às diversas postagens e publicações que destacam as muitas qualidades que o espetáculo reúne, e que fazem dele esse sucesso que nos enche de alegria”, prossegue Lodi. “Aproveitamos esse contexto de repercussão e estamos ampliando cada vez mais o alcance do espetáculo, desfrutando das oportunidades de apresentá-lo em outras cidades e estabelecer sucessivas temporadas na capital. Tudo que fizemos resulta da nossa aposta artística em uma abordagem teatral lúdica e poética para lidar com questões tão sensíveis da nossa realidade, sem perder a esperança – este elemento tão caro à nossa existência e que exige nosso engajamento integral. Acho que essa mistura mobiliza uma sensibilidade crítica, uma contribuição consistente para nos situarmos no contexto de uma emergência ambiental global, e que ações concretas podemos articular coletivamente para mitigar esses efeitos.”

E qual a sensação de reapresentá-la neste período de crise ambiental e incêndios persistentes em quase todo o país? O diretor responde: “Muitas sensações se misturam quando nos deparamos com esse estado de coisas, e não se trata de algo agradável viver na pele o resultado de décadas e mais décadas de absoluto desprezo com a natureza. Parece que tudo aquilo que se anunciava como uma ameaça, e que aparecia em obras de ficção, chegou para valer na nossa realidade cotidiana.” 

Cena de Histórias de Alexandre. Foto Vitor Meloni

Fabiano Lodi continua, perguntando-se: “E o que podemos efetivamente fazer para frear a catástrofe climática, causada especialmente pelas nossas ações irresponsáveis na lida com os recursos naturais? Esta talvez seja a pergunta central sobre a nossa condição de existência no século 21. O espetáculo Um Dia, Um Rio aborda o desastre ambiental ocorrido em 2015 em Mariana, Minas Gerais, como um entre tantos episódios em que essa questão se repete. Por outro lado, há diversas populações que lutam incansavelmente para fazer valer a voz da natureza, em defesa de sua preservação“.

Ele se faz outra pergunta: “O que faz com que não estejamos com atenção de qualidade dedicada à escuta dessas vozes? Na peça, o rio assume a fala, cantando e contando sua história, como diversos povos da floresta nos ensinam sobre ouvir a voz das águas, a comunicação entre as raízes das árvores e as montanhas. Se nos dedicarmos a essa escuta, colocando em prática tais ensinamentos, talvez possamos experimentar ainda neste século uma transformação que reverta o cenário de destruição cada vez mais intenso que se instaura ao nosso redor”.

Cena de Um Dia, Um Rio. Foto Pri Fiotti

Alexandre é um homem já velho; tem um olho torto e fala bonito: um típico contador de histórias. Está sempre acompanhado pelos moradores das redondezas e até por pessoas de consideração, que vem à sua modesta casa para ouvir as narrativas “fanhosas” que conta: Seu Libório, cantador de emboladas; o cego preto Firmino; mestre Gaudêncio Curandeiro, que reza contra mordedura de cobras; e Das Dores, benzedeira de quebranto. Cesária, mulher de Alexandre, está sempre por perto, e pronta para socorrer o marido quando ele se “engancha” ou é questionado em suas narrativas.

Tudo isso vem do livro de Graciliano Ramos (1892-1953), Histórias de Alexandre, adaptado pelo premiado Grupo 59 de Teatro, sob a batuta da diretora Cristiane Paoli Quito. A peça reúne histórias e fanfarronices de um típico mentiroso do sertão, numa encenação recheada por canções inéditas. Publicado em 1944 por Graciliano, o livro (escrito em 1938) traz contos coletados na memória oral do folclore nordestino, resgatando crenças, costumes e mitos da região. Na transposição para o palco, foram selecionadas algumas histórias, respeitando e mantendo na íntegra as palavras do autor. 

O elenco de Histórias de Alexandre, inspirado em Graciliano Ramos. Foto Vitor Meloni

Desde o início da peça, em 2017, o Grupo 59 e a diretora Quito decidiram não chamar dramaturgos e manter o texto como ele foi escrito, na íntegra. Ou seja, todas as palavras, todas as frases que a gente ouve no palco estão iguaizinhas no livro do aclamado autor alagoano de Vidas Secas, São Bernardo e Memórias do Cárcere. Essa escolha, além de ser uma bela reverência à literatura brasileira, exige de todos uma criatividade ininterrupta, uma integração constante entre engenho e arte. 

O processo foi penoso, mas desafiador, confirma a singular adaptadora: “As histórias do Graciliano tinham muitas palavras diferentes, muito fora do universo dos atores. Houve um momento em que o exercício proposto com essas palavras era que eles montassem um glossário ilustrado, ou seja, que juntassem imagens e objetos aos vocábulos – e isso significaria verdadeiramente ‘articular’, impregnar a mente daquelas imagens que são relativas àquelas palavras. Assim, fui ampliando o imaginário desses intérpretes para que eles de fato se inserissem no (con)texto”.

Cena de Um Dia, Um Rio. Foto Pri Fiotti

Quito prossegue: “Eu adoro chamar tudo isso de ‘processo de apropriação’. Histórias de Alexandre foi exatamente assim: um processo posto em cena. Um caminho que ‘foi resultando’. Claro que, como diretora, eu contribuí com indicações, mas é o processo e a apropriação que nos conduziram em sala de ensaio. E é importante manter o livro na sala, como objeto, como volume, e esperar que seja consultado o tempo todo”.

O Grupo 59 de Teatro é o encontro de 12 atrizes e atores formados pela Escola de Arte Dramática (EAD/ECA/USP) e encontra no modo colaborativo de criação e gestão terreno fértil para expressão artística múltipla e heterogênea. Desde sua fundação, em março de 2011. Seu repertório traz ainda: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, também na direção de Cristiane Paoli QuitoA Última História, dirigida por Tiche ViannaMockinpó – Estudo Sobre um Homem Comum, dirigida por Claudia Schapira; e Terra à Vista, outra dirigida por Fabiano Lodi.

Serviço

Circulação Grupo 59 de Teatro

Histórias de Alexandre: Sexta (20), 21 h. Sábado (21), 21 h. Domingo (22), 19 h.
Um Dia, Um Rio: Sábado (21) e domingo (22), 16 horas.

Teatro Arthur Azevedo. Av. Paes de Barros, 955, Alto da Mooca.

Ingressos: Grátis (retirar com uma hora de antecedência)

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Ficha Técnica

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Serviço

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