Cia Extemporânea evidencia as similaridades entre a arte drag e a tragédia shakespeariana propondo uma discussão sobre o ato político presente em uma das personagens centrais de “Rei Lear“
Por Redação Canal Teatro MF
Existia um mito no teatro, até bem pouco tempo atrás, que, para encenar o Rei Lear, de William Shakespeare, era necessário um ator maduro, quase um octogenário, assim como a personagem descrita pelo dramaturgo inglês. Aqui no Brasil, Paulo Autran fez com seus 73 anos e Raul Cortez, com 69.
O espetáculo que estreia no dia 26 de julho, no Teatro Anchieta do Sesc Consolação, romperá de vez esse paradigma. O elenco reúne em cena nove artistas drag queens e a protagonista será Alexia Twister, com seus 44 anos.
Com direção de Ines Bushatsky, a Cia Extemporânea, fundada em 2015, reúne no elenco as outras oito queens: Antonia Pethit, DaCota Monteiro, Ginger Moon, Lilith Prexeva, Maldita Hammer, Mercedez Vulcão, Thelores e Xaniqua Laquisha.
Assim como a dramaturgia do bardo inglês traz em muitas de suas obras uma mistura entre a tragicidade e a comicidade, o espetáculo se propõe a ir além do engraçado em que já estamos habituados a ver no registro das drags. “Vamos do cômico ao trágico, do performático ao teatrão, às vezes dentro de uma mesma cena”, pontua a diretora Ines Bushatsky.
“A arte drag é ampla e multifacetada, no elenco convivem perspectivas estéticas diferentes, e complementares. Não existe só uma maneira de fazer drag, as possibilidades são inúmeras. Assim, o espetáculo contribui para mostrar também a diversidade desse universo”, complementa a diretora.
Tendo em vista que, na época renascentista, quando Shakespeare escreveu seus textos, não era permitido que as mulheres atuassem nas peças e as personagens femininas eram interpretadas por homens, assistir a uma montagem onde todo o elenco é formado por artistas drags sugere uma volta ao tempo, mas de uma forma mais arrojada e sem a misoginia característica da época. Ao longo dos séculos, a arte drag se expandiu, e hoje vai muito além, englobando um pensamento moderno sobre visagismo, costura e performance para tensionar os papeis tradicionais de gênero.
É uma mulher, a personagem de Cordelia, uma das filhas do rei, que desestabiliza as estruturas do poder, quando seu pai decide dividir o reino entre suas três progênitas e ela opta em não participar dessa passagem do poder. Essa postura a condena ao exílio e à desagregação do reino. Sem coroa, traído pelas outras duas filhas e vendo seu reino à beira da guerra, Lear afunda em uma espiral de loucura.
Esse arcabouço de artimanhas presente na estrutura trágica construída por Shakespeare e reelaborado pela linguagem da arte drag queen promete uma montagem bastante inusitada.
Serviço
Rei Lear.
Sesc Consolação – Teatro Anchieta. Rua Dr. Vila Nova, 245. Telefone: (11) 3234-3000.
Sextas e sábados, 20h. Domingos, 18h. Sessão no dia 22 de agosto, 15h. Sessões com acessibilidade em libras 9 e 10 de agosto. R$ 50
Até 25 de agosto