Milhem Cortaz interpreta monólogo escrito a partir de conto de Nikolai Gogol, que lança um olhar sobre as pessoas à margem da comunidade
Por Redação Canal Teatro MF
Nikolai Gogol foi um escritor cuja obra influenciou uma série de outros autores, como Dostoievski, Chekhov, Tolstói e até o nosso Machado de Assis. Ele nasceu em 1809 onde hoje é território ucraniano, mas, à época, pertencia ao império russo. Assim, as duas nações em guerra hoje também travam um conflito pela primazia de tê-lo como seu ilustre habitante. Morreu em 1852, louco, depois de sua saúde se degradar sensivelmente, martirizado pela ânsia de conquistar uma nova ordem, que não consegue. Toda sua obra é marcada por um realismo muito próprio, com rasgos do que viria a ser o surrealismo.
Aos 24 anos, escreveu um conto delirante, Diário de um Louco, que se transformou em um monólogo de teatro, encenado agora por Milhem Cortaz, em cartaz no Teatro Viradalata. Em formato de diário, o texto traz o ator no papel do funcionário público Akcenti Ivanovitch, que se apaixona repentinamente pela filha do chefe. Elaborando planos mirabolantes para ser percebido pela moça, de uma classe social mais alta, ele cria para si um mundo de fantasias que escapa de seu controle e, ao acreditar ser Fernando VIII, o rei da Espanha, ele acaba condenado ao manicômio.
O texto, surpreendente em sua condução psicológica, provoca muitas questões. Afinal, qual é a distância que as pessoas têm realmente da loucura? E por que sua descrição pura da loucura ainda incomoda? Finamente, teria Gogol lançado um olhar sobre as pessoas à margem da sociedade?
“Diário de Um Louco é um clássico de grande atualidade e pertinência nos dias de hoje. Num momento onde o consumo de medicamentos psiquiátricos banalizou-se, é de suma importância discutir a questão da saúde mental. O clássico de Gogol retrata o processo dramático e gradativo de ‘enlouquecimento’ de Akcenti Ivanovitch, um emblemático funcionário público da classe trabalhadora fadado a ser explorado por toda uma vida. E dirigir Milhem Cortaz é muito gratificante. Um ator de extrema potência, completamente disponível e em sintonia com a minha forma de trabalhar a cena”, comenta o diretor Bruce Gomlevsky, no material de divulgação.
De fato, o espetáculo acompanha o lento desmoronar da razão pelo constante atrito entre a mesquinhez da experiência e as ingênuas aspirações românticas do pobre funcionário público. E, embora todas as falas sejam audíveis, o espectador tem a impressão de que se trata de um murmúrio, de um comentário em voz alta de quem conversa consigo mesmo.
Segundo a produção, a encenação se concentra na fisicalidade do trabalho de Cortaz – seus recursos vocais e corporais desenham a desintegração mental do personagem. Há tons de surrealismo na subversão do uso dos objetos de cena, que têm suas funções trocadas.
Diário de um Louco foi traduzido por diversos intelectuais brasileiros, de Paulo Rónai a Vinícius de Moraes – aqui é utilizada a versão feita por Paulo Bezerra, publicada pela Editora 34. E o original é, muitas vezes, mais alucinado do que é mostrado nas encenações teatrais, como em algumas datas apontadas por Ivanovitch: ano 2000, 43 de abril.
Serviço
Diário de um Louco
Teatro Viradalata. Rua Apinajés, 1387. Tel: (11) 3868-2535
Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h. R$ 80 / R$ 100
Até 2 de junho