A nona edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo começa nesta sexta, 1° de março, e terá artistas da África, Ásia, Oriente Médio e América Latina
Por Ubiratan Brasil
A MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo chega à nona edição com uma programação que privilegia artistas, grupos e pesquisadores/as da África, Ásia, Oriente Médio e América Latina. Serão nove montagens internacionais, uma estreia nacional, dez espetáculos na MITbr – Plataforma Brasil e uma diversa grade de oficinas, debates e conversas, entre 1º e 10 de março, em 11 espaços culturais de São Paulo (veja lista abaixo).
A abertura será nesta sexta, 1°, no Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, com o espetáculo Broken Chord (Acorde Rompido), com concepção dos artistas sul-africanos Gregory Maqoma e Thuthuka Sibisi.
“Será uma mostra preocupada por outras geografias, outro territórios”, comenta o diretor artístico Antonio Araújo, que idealizou o evento com Guilherme Marques, hoje diretor geral. Para eles, as discussões que atravessam os trabalhos apresentam novos olhares para questões como memória, racismo, transfobia, identidade, conhecimento, colonialismo, entre outros.
E, pela primeira vez, a dança e a performance vão ocupar um lugar de destaque nos trabalhos selecionados, combinadas ao teatro e à música. “Para nós, não é fácil separar dança de teatro: tudo são artes cênicas. Olhamos para o que os artistas estão produzindo, seja dança ou teatro”, completa Araújo.
O Artista em Foco deste ano será o diretor e compositor sul-coreano Jaha Koo, que vai apresentar sua Trilogia Hamartia: Lolling and Rolling, Cuckoo e A História do Teatro Ocidental Coreano. “Seus trabalhos focam principalmente na relação colonial entre as culturas do Ocidente e Oriente e o impacto que isso causa na vida das pessoas”, comenta Araújo. De fato, Hamartia é uma palavra de origem grega, que pode ser traduzida por “falha ou defeito trágico”.
Outro destaque são dois espetáculos da Argentina que vão estrear durante a Mostra: Perros – Diálogos Caninos, de Monina Monelli em parceria com os brasileiros Celso Curi e Renata Melo, que traz os conflitos e os afetos da relação das pessoas com cachorros; e Wayqeycuna (Meus Irmãos), de Tiziano Cruz, que promove um reencontro com suas origens, tendo como ponto de partida os quipus (colar feito de algodão ou lã de lhama e alpaca e nós), tecidos pelas mulheres andinas como memoriais.
Já entre as estreias brasileiras, destaque para o novo trabalho do diretor Felipe Hirsch com o grupo Ultralíricos, Agora tudo é tão velho – Fantasmagoria IV, que depois entra em cartaz no Teatro Anchieta do Sesc Consolação.
Veja aqui alguns destaques da programação, que pode ser conferida no site www.mitsp.org, que traz horários, locais e preço de ingresso.
Broken Chord [Acorde Rompido]
Gregory Maqoma e Thuthuka Sibisi
África do Sul, 2023 | 60 min | Classificação indicativa 12 anos
Local: Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros
Sinopse: Entre 1891 e 1893, um grupo de jovens cantores africanos chamado de The African (Native) Choir viajou de barco rumo à Grã-Bretanha, ao Canadá e à América. Formado pela elite negra educada por missionários, ele tinha o objetivo de arrecadar fundos para uma escola técnica em Kimberley, na África do Sul. O espetáculo de Gregory Maqoma e Thuthuka Sibisi parte de gravações do conjunto, revelando um drama de dimensão global e analisando o corpo negro como um local político. Utilizando elementos da dança tradicional Xhosa [grupo étnico sul-africano] e da dança contemporânea entrelaçados a paisagens sonoras, a obra não apenas reflete sobre um arquivo, mas aborda questões urgentes sobre migração, desapropriação e fronteiras, questionando a relação entre o colonizado e o colonizador – e a cumplicidade de ambos em moldar e mudar a narrativa sul-africana, no passado e no presente.
A História do Teatro Ocidental Coreano
Jaha Koo / CAMPO
Bélgica/Coreia do Sul, 2020 | 60 min | Classificação indicativa 12 anos
Local: Teatro do Sesi-SP
Sinopse: Investigando de forma crítica a influência do cânone Ocidental na história do teatro coreano, Jaha Koo aponta para o futuro de novas gerações. O solo costura fatos históricos a relatos pessoais do artista sul-coreano para levantar questões sobre tradição e autenticidade, expondo de forma meticulosa o trágico impacto do passado na contemporaneidade. Ao questionar o real espaço da tradição teatral coreana, o espetáculo busca romper com uma lógica repleta de autocensura e de manutenção das aparências para criar uma versão legítima da história.
Lolling and Rolling*
Jaha Koo / CAMPO
Bélgica/Coreia do Sul, 2015 | 45 min | Classificação indicativa 14 anos
Local: Teatro do Sesi-SP
Sinopse: O artista sul-coreano Jaha Koo se debruça sobre o imperialismo linguístico, mostrando como a linguagem pode ser utilizada como arma política e fonte de poder. O espetáculo aborda o impacto da chamada “cirurgia da língua presa”, que, por anos, foi um fenômeno na Coreia do Sul. O procedimento era utilizado para tornar o músculo supostamente mais capaz de pronunciar corretamente o som do “r” em inglês. Ao esmiuçar essa prática, os absurdos e os significados que a envolvem, a obra revela como a negação e a desvalorização de um idioma também instiga a perda de uma identidade.
*O título faz um trocadilho em inglês para pontuar que não existe o som de “r” na língua coreana.
Wayqeycuna [Meus irmãos]
Tiziano Cruz
Argentina, ESTREIA | 80 min | Classificação indicativa Livre
Local: Itaú Cultural
Sinopse: Assim como as mulheres andinas tecem seus quipus [artefato têxtil feito de cordas e nós] como memoriais, o artista argentino Tiziano Cruz retoma o caminho de volta à sua própria infância para se reencontrar com sua comunidade. A obra, que faz sua estreia internacional na MITsp, propõe uma reflexão sobre como as hierarquias raciais e as estruturas de dominação operam em um mundo no qual o neoliberalismo varre violentamente os traços culturais, vitais e coletivos. O espetáculo é a parte final da trilogia Tres maneras de cantarle a una montaña [Três maneiras de cantar para uma montanha], na qual o artista articula, por meio de uma série de gestos poéticos, suas primeiras memórias no interior do norte da Argentina com manifestos políticos sobre o mercado de arte e o privilégio de classe.
PERROS – Diálogos Caninos
Monina Bonelli, Celso Curi e Renata Melo
Argentina, Brasil, ESTREIA | 120 min | Classificação indicativa Livre
Local: Parque Augusta, Praça Roosevelt e Minhocão
Sinopse: O cachorro sempre foi um co-construtor da comunidade. Desde os primeiros tempos do homo sapiens, o “melhor amigo do homem” colabora com a sobrevivência mútua, proporcionando proteção e afetividade. O cachorro é um espelho da espécie. Ou apenas um reflexo de uma sociedade interespécies. A relação entre humanos e cães no contexto urbano é investigada nesta obra criada pela argentina Monina Bonelli e os brasileiros Celso Curi e Renata Melo. Em sua estreia na MITsp, a intervenção propõe um diálogo entre arte e comunidade, construído junto a artistas, pensadores, vizinhos e cães de estimação. Através de um deslocamento pelo centro de São Paulo, que passa pelo parque Augusta e pela praça Roosevelt, tutores e seus cachorros são convidados a dialogar com o entorno e a se relacionar com os territórios de forma artística, descobrindo e celebrando a performance do cotidiano.
Profético (nós já nascemos)
Nadia Beugré / Libr’Arts
França/Costa do Marfim, 2023 | 75 min | Classificação indicativa 14 anos
Local: Sala Jardel Filho – CCSP – Centro Cultural São Paulo
Sinopse: Há alguns anos, a coreógrafa Nadia Beugré vem se aproximando da comunidade transgênero de Abidjan, a maior cidade da Costa do Marfim. São pessoas que, designadas como meninos ao nascer, navegam entre os gêneros com grande liberdade, mesmo inseridas numa sociedade muito patriarcal que, na melhor das hipóteses, finge não as ver. Cabeleireiras de dia, divas das pistas de dança à noite, essas personagens vivem expostas e subterrâneas, fluindo entre circuitos paralelos e redes de solidariedade, inventando danças próprias que, misturando voguing e coupé-décalé [estilo musical da Costa do Marfim], fazem as noites de Abidjan. No espetáculo, Beugré dá continuidade à investigação sobre gênero e identidade, mas também sobre aqueles que ela chama de “perdidos”, os desajustados, os que estão à margem, na periferia, aqueles que são rejeitados ou ignorados. A artista questiona as atribuições e os papéis na família, na sociedade e na história – tanto os que são atribuídos às pessoas como aqueles que elas assumem.
Agora tudo é tão velho – Fantasmagoria IV
Ultralíricos, com direção de Felipe Hirsch
Brasil, ESTREIA | 120 min | Classificação indicativa 14 anos
Local: Teatro Anchieta – Sesc Consolação
Sinopse: A partir de um excerto curto de sua peça FIM, os Ultralíricos reencontram o dramaturgo Rafael Spregelburd para desenvolverem um trabalho inédito, sobre o labor teatral que atravessa o tempo e resiste às pestes, às guerras. Suas imagens desvanecem como uma tempestade e, no entanto, a história prova, é coisa mais eterna que existe. A fantasmagoria revela um ensaio do que parece uma peça clássica feita em um lugar que já foi um teatro.
Eunucos
Irmãs Brasil
São Paulo e Rio de Janeiro (SP/RJ), 2019 | 40 min | Classificação indicativa 16 anos
Local: Biblioteca Mário de Andrade
Sinopse: Criado durante a residência artística da primeira turma da Escola Livre de Artes da Maré, no Rio de Janeiro, o trabalho propõe uma reflexão sobre processos históricos de castração, tecnologias de transição e performances de gênero. Utilizando elementos performativos da dança e do teatro, as Irmãs Brasil negociam a vida e o desejo em cena: a criação da obra também marca o início do processo de transição das artistas. Operando imagens e signos corporais de maneira crua, suas existências assumem formas de cavalos selvagens, de sereias e de Liliths que atravessam o tempo e o espaço, ativando um ritual de morte e de ressurreição.
Meu Corpo Está Aqui
Fábrica de Eventos
Rio de Janeiro (RJ), 2023 | 60 min | Classificação indicativa 16 anos
Local: Sala Olido – Centro Cultural Olido
Sinopse: Partindo das experiências pessoais de atrizes e atores PCDs (pessoas com deficiência), a peça traz um jogo entre as pulsões e os obstáculos encontrados por eles em suas descobertas afetivas e sexuais. Em cena, o elenco fala abertamente sobre relacionamentos, corpos e desejos por meio de depoimentos ficcionalizados pelas artistas cariocas Julia Spadaccini, idealizadora do projeto e também pessoa com deficiência, e Clara Kutner. Questionando com ironia e lirismo concepções culturais e históricas a respeito do que é considerado “normal”, o espetáculo celebra estes corpos invisibilizados socialmente e aprofunda as reflexões sobre suas subjetividades.
7 Samurais
Laura Samy
Rio de Janeiro (RJ), 2022 | 70 min | Classificação indicativa Livre
Local: Teatro Cacilda Becker
Sinopse: O filme Os Sete Samurais, do diretor japonês Akira Kurosawa (1910-1998), foi tomado como inspiração para a criação do espetáculo. Por meio das linguagens da dança, do teatro e do cinema, quatro intérpretes traçam paralelos entre os guerreiros japoneses e os artistas de hoje, aproximando e investigando suas condições para a luta em tempos que parecem refutar suas existências. Em uma composição dramatúrgica repleta de imagens que remetem às batalhas, mas também a afetos e instintos diversos, emerge a dificuldade da sustentação dos corpos, simbolizando o processo lento e frágil da constituição de algo novo.
Serviço
Locais de apresentação e debates
Biblioteca Mário de Andrade (R. da Consolação, 94 – República)
Centro Cultural Olido (Av. São João, 473 – Centro Histórico de São Paulo)
CCSP – Centro Cultural São Paulo (R. Vergueiro, 1000 – Vergueiro)
Cúpula do Theatro Municipal de São Paulo (Praça Ramos, s/n – Centro)
Itaú Cultural (Av. Paulista, 149 – Bela Vista)
Teatro Cacilda Becker (R. Tito, 295 – Lapa)
Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros (Rua Paes Leme, 195 – Pinheiros)
Teatro Antunes Filho – Sesc Vila Mariana (R. Pelotas, 141 – Vila Mariana)
Teatro Anchieta – Sesc Consolação (Rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque)
Teatro do Sesi-SP (Av. Paulista, 1313)
Tendal da Lapa (R. Guaicurus, 1100 – Água Branca)