Será a primeira atriz gorda a viver o papel do espetáculo que estreou em 2013 na Broadway: “A representatividade agora tem mais força”, diz o diretor Rodrigo Alfer ao Canal MF
Por Ubiratan Brasil
Eram oito candidatas, todas esbanjando qualidades, mas o diretor e produtor Rodrigo Alfer percebeu que uma se destacava. Terminado o processo de audição, não houve mesmo dúvida. “Além de ter uma voz maravilhosa, ela já se preparara muito bem para o papel”, comenta o encenador, confirmando para o Canal MF que Carol Donato vai viver o papel de Lauren no musical Kinky Boots, que estreia no dia 29 de maio, no Teatro Liberdade.
Aos 29 anos, ela vai também estabelecer uma importante abertura para o papel: Carol será a primeira atriz gorda a interpretar a personagem desde a estreia do musical na Broadway em 2013. “Os tempos mudaram. A representatividade agora tem mais força, ganhou seu espaço”, comenta Alfer, lembrando que se entusiasmou pelo carisma de Carol. “Eu não tinha idealizado a personagem, esperei pelo que as candidatas ofereceriam nas audições para fazer a escolha e ela foi a melhor.”
Algo que a própria Carol tampouco esperava. “Eu me candidatei sem grande esperança, pois, observando as atrizes que já viveram Lauren nas montagens estrangeiras, acreditei que meu tipo físico não se encaixava. E, mesmo quando fui informada de que tinha passado no teste, achei que era para outro papel”, conta Carol, percebendo que também havia derrubado um muro que ela própria mantinha em pé.
“A escolha me fez pensar: por que também não posso interpretar outros papéis como Elphaba, de Wicked? Por que não viver personagens não óbvios? Essa experiência como Lauren pode me abrir portas”, acredita Carol, que participou recentemente da montagem de A Fabulosa Fábrica de Música.
Baseado no filme britânico Kinky Boots – Fábrica de Sonhos (2005), o musical conta a história de Charlie Price que, para salvar a fábrica de calçados que herdou do pai, forma uma parceria improvável com a artista de cabaré e drag queen Lola para produzir uma linha de botas de salto alto e salvar o negócio.
Lauren é uma das mulheres que trabalham na linha de montagem e é ela quem dá ideia a Charlie de buscar produtos mais inovadores de calçados. Os dois também formarão o par romântico da história.
“Lauren é muito sagaz e a fábrica é também muito importante para ela”, observa Carol, que enfrenta o desafio de atingir as notas mais agudas com certa desenvoltura. “Sou professora de canto e muitas vezes minhas alunas pediram para cantarmos as músicas do Kinky Boots, que são muito pop, especialmente com a participação do coro, que tem muita abertura de voz.”
O libreto de Kinky Boots foi escrito por Harvey Fierstein, enquanto letra e música têm a assinatura da cantora Cyndy Lauper. O estilo das canções varia do pop ao funk, do new wave ao tango, com letras altamente pessoais.
Quando estreou, o musical recebeu boas críticas da imprensa especializada. O jornal The New York Times considerou-o oportuno por tratar de problemas paralelos aos da época de sua produção, incluindo “desemprego crônico, dificuldades financeiras e o colapso da indústria”. Também destacou inovações, como a cena de dança na esteira rolante.
O crítico Ben Brantley observou: “Como Ou Tudo Ou Nada e Billy Elliot, o Musical, esse é ambientado em uma cidade industrial britânica em tempos difíceis, onde os empregos estão em perigo e o ânimo precisa ser melhorado. Assim como A Gaiola das Loucas e Priscila, a Rainha do Deserto, apresenta drag queens como levantadores de ânimo oficiais do programa. E, assim como Hairspray, Kinky Boots é sobre encontrar a paixão, superar preconceitos e transcender estereótipos”.
De acordo com a pesquisadora inglesa Julie Grossman, Kinky Boots facilita o retreinamento do olhar para as convenções de gênero e “reposiciona a figura marginalizada como central para o espetáculo do teatro de massa, realizando uma mudança na perspectiva do espectador”.
Kinky Boots ganhou seis prêmios Tony, incluindo Melhor Musical. Nas semanas seguintes à premiação, o show se tornou tão popular que um sistema especial de loteria de ingressos foi criado para evitar que os fãs acampassem fora do teatro em Nova York.
A montagem brasileira contará, além de Carol Donato, também com Thiago Fragoso, Paula Capovilla e Sergio Rufino, entre outros, no elenco.
